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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

2013

A noite chega, então é hora de virar a página, cruzar os dedos e fazer promessas. As pessoas se abraçam e se desejam as melhores coisas, como se essas fossem feitas para serem desejadas somente em datas especiais. Os abraços são mais quentes, mais poderosos e, neles, cabemos todos. O mundo se aperta e as pessoas ficam próximas, sorridentes. Todos estão felizes e os rostos taciturnos vão embora.
O céu escurece dizendo que um ano acaba, então quem está longe te liga dizendo que te ama, e que lhe quer bem, você emudece em si e sente-se culpado por não estar com essa pessoa. Os olhos fecham-se com força e você balbucia "que assim seja para nós". De uma hora para outra, "nós" existe como "eu" existe. Todo mundo pensa em todo mundo. Não basta ter um bom ano para si, todos tem de ter.
Bom seria se meia noite fosse para sempre. Estouram-se fogos de felicidade no céu de cada um. Todos têm um plano e, enquanto a noite não acaba, todos querem pô-los em prática. Realizar o bem. Fazer-bem. E ser presença na vida de pessoas queridas.
À meia noite, eu abracei cada pessoa que eu amo. Abracei com braços e com mente. Pois carrego muitas outras por dentro de mim que nem sequer viram meus olhos de perto. Abracei-as com o coração.
Dois mil e doze vezes eu sorri, dois mil e doze vezes eu chorei. Conheci duas mil e doze pessoas, me apaixonei por duas mil e doze outras. Quis fugir de dois mil e doze problemas, superei outros mil. A vida é cíclica, uma aventura. Há sempre dois mil e mais alguns motivos para se querer meter a mochila nas costas e seguir passadas adiante.
O ano vira e nós viramos juntos, de mãos dadas, para o desconhecido. Ninguém sabe quantas coisas virão e quantas outras deixarão de ser. Sabemos só que temos planos, guias, e uma vida para edificar. As mãos de cada um são o próprio Deus dizendo o mapa a ser seguido.
Que 2013 traga as edificações dos sonhos, afaste o que nos fez sofrer, aproxime as escadas da vida, faça nossos braços maiores para alcançar aquelas coisas lá no alto, onde ninguém mais vê, somente você...
Pense em um passarinho preso em uma gaiola, cujas grades são feitas de ferro que não enferruja nunca. Esse passarinho olha o céu de dentro da gaiola e pensa o quão grande e azul aquilo tudo é, então, imagina-se voando por ele, conhecendo-o. Vê-se batendo as asas por cima das nuvens brancas que desenham a paisagem, por cima das montanhas cobertas do verde mais puro que existe.
Dentro da gaiola, em cima, presa em um cordão, há uma chave. Essa chave é o que liberta o passarinho. Basta-lhe voar, bater as asinhas ali dentro mesmo, bicar a chave e, então, perder-se no azul do infinito. No entanto, fizeram o passarinho acreditar que, entre seu bico e as chaves, há um tecido tênue e perigoso. Deram-lhe o nome de medo. O que impede as batidas de asas é a presença desse tecido. E então o passarinho encosta sua cabecinha em uma das grades e põe-se a imaginar o quão perigoso arriscar-se no azul deve ser. E é!
Você nunca vai saber se o azul é fértil ou infértil, se é bom ou ruim. É aquela estória de ninguém testar a profundidade de um rio usando as duas pernas. Não... O passarinho não sairia de onde está somente para conhecer o mundo em frente. Ele prefere aquietar-se em seu mundo limitado e ali dormir.
Agora, pense que você é esse passarinho e que 2013 é o Céu azul. O tecido são os seus medos e, a chave acima, as oportunidades. Você tem duas asas e um bico para poder tentar não ser esse passarinho. Tem sim.

Feliz 2013!

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 30 de dezembro de 2012

Atravessar a rua

Há uma lei simples
Que eu mesma inventei:
Preciso de tuas mãos
Até para atravessar a rua.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Deus não pesca.

Uma criança surda e cega
Chora de remorso
Pelos olhos vazantes
Sem destino.

Os olhos tortos escondem
Uma poeira faminta,
Uma casa sem tinta
Uma lembrança de ontem.

Seus olhos respiram sem pulmão,
Pelas ruas de Ilhéus
Pelas praças cheias
De passadas vazias.

O avanço trouxe-lhe
Nós de estômago,
Beliscões no braço esquerdo,
Feitos por teus próprios dedos.

A praça tinha braços
Que se alargavam
E se estendiam
Além dos arranha-céus.

E a criança sem olhos
Nem destino,
Esticava os braços para cima
Na esperança de Deus pescar-lhe.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Você me diz sem falar.

Você me ateia fogo,
E então me esquece.
Faz-me crua e me rejeita,
Faz-me tua e não me põe correntes,
Diz-me o que dizer e foge.

E eu, do meu lado,
Disfarço.
Digo não me importar
Com a falsa liberdade
De ser plural
Onde queres singular.

E se conjugo o verbo errado,
Porque gritas?

Deixe-me o caminho bifurcado,
Para que eu escolha onde caminhar

Deixe-me o caminho escorregadio
Para que, dos teus braços,
Eu encontre a cruz
Depois de me soltar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sábado, 29 de dezembro de 2012

Rapsódia

Minha alegria anda triste
E isso não é alegoria
Para se mostrar.

Meu sorriso anda partido
Por não ter escolhido
O verbo certo
Para conjugar.

Minha vida
É de retóricas.

Eu sou feita de rapsódias,
Os vãos de dores e cores,
As alergias
Cobertas com pó.

No deserto,
Debaixo do Sol,
Eu sou o nó.

Viver de briza sem sombra
Sorrir de riso sem felicidade
Viver dois vivos em sanidade
São desprazeres que a gente encontra.


CLARISSA DAMASCENO MELO


Batuque

Tamborilar
Tão Bom
Rir Lá.
Tá Bom
Rir Lá.
Tão bom ir lá.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Lá fora.

Murmuro
Orações mudas,
Emudecidas.

Lá fora, no cais,
Alguém morre de fome.
E eu não consigo ver.

Lá fora, no concreto,
Uma flor tenta nascer,
Mas não nasce.
E eu não consigo ver.

O mundo acontece lá fora,
E eu aconteço por dentro,
E ninguém vê.

Não são os olhos que estão
Fechados.

Nem são as custosas
Vidas de madame quem matam.

São as pessoas,
Taciturnas,
Mudas,
Emudecidas.

As pessoas matam pessoas,
E ninguém reparou
Que o mundo parou sem reparo.

Vamos descer?
Ir lá fora,
Ver a flor no concreto crescer?

Ou lá fora iremos
Ver uma pessoa
De fome morrer?

O medo paralisa,
E ninguém vê.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Por tais portais.

Por tais motivos
É que abro meus portais.
Embruteço,
Amadureço,
Enlouqueço,
Peço o mesmo,
Colho o tempo,
e adormeço.

Sou senhora
Sem hora,
Faço parto sem dor,
Meus problemas...
Jogo-os no meu ventilador...
Ventilar a dor.

CLARISSA DAMASCENO MELO

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Mãos.

Minhas mãos suadas ainda enxugam testas que gotejam,
E abrem meus caminhos vastos.
São mãos calosas, mas suaves
Que suam e que choram por serem minhas.

Meu rumo embrutece
Enquanto, silenciosas,
Minhas mãos aram a terra em que piso,
E desenham meu destino em horizontes pontiagudos.

Minhas mãos são mães de Cristos sem coroa,
Nem altar...
São de pedras que não
Sabem perfurar,
São de sangue e veneno.

A linha de minha vida
Mora em minhas mãos
Lidas por ciganas cruas
Que não sabem ler futuro.

Dentro de minhas mãos
Vive um útero sem fruto.
Em codinome,
Desfaz-se.

Mas, são mãos.
E são minhas.
As terei pela eternidade.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Pessoas da Alma

Uma casa pequena
Que reúna os braços 
Pr'os abraços
De vocês.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Em branco

Um espaço em branco,
Então eu enxergo o Céu.
Enxergo as linhas diagonais,
Enxergo a terra molhada, e a terra seca
Da seca do Sertão.

Um espaço em branco,
Então eu vejo as estrelas
Que sobem à cabeça dos namorados terrenos.
Vejo um mar e o mar de solidão
Vejo as letras se formando
Leves, à palma da mão.

Busco os abraços nos braços de quem não vejo.
Busco os Nortes nas bússolas quebradas,
Os calcanhares de Aquiles que insistem em arrebentar o mundo.
Eu vejo crustáceos
Um mergulho,
Um piquenique.

Um olho de vidro, no teto, grudado.
Um móbile de pedrinhas azuis e arame,
Um filtro de sonhos
Um pecado
Um amor
Um som.

Um espaço em branco, então enxergo
Meu nome e o nome dele
Sou capaz de ver a cor do vento
E as dores que a vida já me deu.
Vejo os barquinhos de papel da infância
E, então, não quero ver mais nada.

Um espaço em branco
E vejo uma bicicleta
Um machucado com sangue
Um remédio que arde
E uma cicatriz.

Um espaço em branco e,
Pois bem,
Infinitas letras transformam
O mínimo em tudo.
Tudo o que você foi.

CLARISSA DAMASCENO MELO


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Pr'umbigo do Universo.

Vai avoando no céu um vento quente que repuna. O mato seco dos solos rachados nem mais existem, e, pelo céu, a chuva de poeira insiste em ser real, anuviando as visagens. As andorinhas avoaram para longe de toda a gente, e toda a gente anda 'cas cabeças emudecidas. Cuns trapos em trança enfiados nos lombos, os pequenos agarrados pelas mãos, as mulheres vão cedo caminhar atrás duma fonte de água. As crianças têm bocas sujas, com manchas de Terra em redor e carregam baldes vazios.
E barriga vazia.
E coração vazio.
E futuro vazio.
É tudo vazio nessa Terra, menos o mais.
Menos o povo, menos o amanhecer.
Essa é a vida que se tem lá por dentro das tripas do mundo. Ali é o centro da terra. O chão marrom aguado é chão que se pisa e não deixa pegadas. Os cactos possuem espinhos que não furam. E as mulheres, peitos sem leite. Os homens? Ficam por ouvir, quando anoitece, o choro das crianças.
Isso é mundo de se viver, Deus Pai, Guerreiro?
O céu é de um azul celeste e brilhante, é que Seu Sol vive sem medida seu reinado. O cenário é árido, quente, de pólvora. Como se em argum momento toda a atmosfera vermelha fosse explodir-se.
A lua alumia as noites com mais trégua. Sem muito rigor do Sol, que impunha testas suadas nas gentes do Sertão. E dá-lhe suor pr'essa gente sem destino.
É que é desatino,
Parar de falar de coisas da cidade,
Para olhar um pouco
Pr'umbigo do universo.

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 16 de dezembro de 2012

Uma prece por uma alma.

Se eu disser, meu Deus, blasfêmias
Considere que minha voz depende
Da surra mundial.

Se eu disser, meu Pai, que eu não O amo
É pecado gerado por meus dedos
Mentirosos e medíocres.

Se eu escrever, Senhor, em linhas diagonais
O que eu devia escrever no coração,
É erro meu.

Não quero de Ti a liberdade
Se minhas mãos voarem soltas.

Aliás, as minhas mãos têm voado soltas
Pelo mercado de almas.
Têm estado vazias,
E esse vazio, Pai, é o que me doi.

Não espalhe, Senhor, minhas falhas
Pois elas são fruto do mundo.

Eu fui feita de ser mundo.
De ser irresponsável e perene.
Mas é que eu, eu gosto de ser eu.

Eu gosto de fazer
O que a mim foi dedicado.
E se me rebelo diante de Ti,
É frustração que passa.

Pretendo sair do mundo ainda sendo ele.
Ainda vazia por dentro
Por merecer o vazio que já é meu.

E se esse vazio escorre de minhas mãos
Até a minha alma,
Então eu me rebelo.

Mas se meu vazio sair de minha alma,
E guiar-se lento até as minhas mãos,
Eu calo a boca.

Porque, Senhor,
Sou entendida de saber que mão vazia ainda cria calo,
Pés vazios, ainda têm destino,
Boca vazia, ainda tem voz, mesmo que muda,
Mas, Pai, se eu tiver alma vazia,
Não terei nem mãos, nem pés, nem boca.

CLARISSA DAMASCENO MELO


sábado, 15 de dezembro de 2012

O caminho mais difícil.

O mais difícil
É começar.

É incrível
O desinício
Do não tolerar.

Eu não tolero!
Não tolero os brutos sons
Que gritam agudo
Por onde devo seguir.

Vos digo apenas que começo
E eu não quero saber por onde.

Quero ter o direito de me decidir
De me ser inteira, de seguir-me inteira.

E o que eu tenho sido
São promessas do que devo ser.

Quero o prazer de escorrer nos dedos
O que for vontade minha.

É o meu começo,
O meu início,
O meu caminho,

Deixe-me trilhá-lo sentindo fé em mim.
Deixe-me dar minhas próprias passadas,
Sem as tuas mãos,
Segurando minhas esquinas.

Sem tuas mãos,
A me mostrar o caminho.

Sem teus olhos
Que se enrugam com
Vontades minhas.

Deixe-me seguir só.


CLARISSA DAMASCENO MELO

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Caminho.

Espero que o caminho
Carregue a mim por sobre as flores.
Elas, que vivem na esquina,
Nos bosques calmos,
Na sala de estar.

Espero que o caminho seja breve,
Que seja longo, que seja curto,
Mas, que seja. Que chegue a ser.
Mas, repito, exijo as flores
Regadas com rendas mordaçadas.

Tragam Mordaças!
Para que eu cale em segundos
O que os espiões disserem,
O que os pessimistas alegarem,
O que os realistas ousarem pensar.

E, para que ao fim do caminho,
Eu as use também.
Uma sobre a outra,
Para eu não espalhar o terror
Do meu caminho
Para quem for trilhá-lo outra vez.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Ararueira

Ararueira mora ali,
Dentro de mim,
Respira que flutua,
Coisa de escritor moderno.

E Aleijadinho tentou te desenhar.
Com traços finos, perseguidos,
A lenda, quis contar.

Mas não,
Ararueira vive em mim,
E mora ali,
Pertinho de Bagdá.

Ou esteja ele
Pertinho do céu.

Psicodelia!!
Psicodelia!!
Psicodelia!!

Tell me, baby, now
How are you?
Tell me, baby, now
I love you, I love you!

Ararueira mora ali
Vive de tocaia
Tocando violão.

Seu violão canta samba
E aquele tal do Rock'n Roll
E se Ararueira de mim fugisse,
Iria à Itabuna fazer um show.

Quis contar a lenda
De um índio domesticado.
Quis dizer a vida
De um jeito todo errado.

Mas Ararueira não está aqui
Nem tá aí pro mundo ouvir.
É que do pé de Ararueira
Eu colho fruta madura.

Eu colho jaca dura.
Eu colho o violão da
Viola nove.

E se Ararueira se olhasse no espelho
Iria assistir a Macunaíma
De véu de noiva,
Cigarro na boca, e diria:
Ai, Deus Pai, que preguiça!

Eu vejo Ararueira todo dia.
Em uma tela quadrada que brilha.
Ele mora lá do lado,
Ele mora aqui por dentro,
Mas insiste em uma tela
Ficar trancafiado.

Ararueira canta Xote
E é xique-xique de Direito,
Seu santuário é feito casa
E não sai de teu Terreiro.

Pois então, Ararueira,
Teu poema eu consegui fazer?
Ao menos um poeta amigo,
A gente tem que ter.

CLARISSA DAMASCENO MELO

à JP BAIANO.









quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Refém.

Um Nordestino foi pra São Paulo para a vida melhorar.
Pegou carro,
Pegou trem,
Viu a vida se gastar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Coisa de vapor.

Debaixo da coberta suja, entre o chão e o linho, vivia alguém. Passaram dois Skinheads armados e, então, debaixo da coberta, não vivia mais ninguém.

CLARISSA DAMASCENO MELO

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Sobre a Luz.

Tortura é estar como estou
Pisar onde piso
- E onde não piso.

Tortura é escutar o que escuto
- E não escutar o resto interno.

Não há vida
Dentro de minhas letras,
Mas há letras
Em minha vida.

Eu dependo de meus dedos,
Paulatinos sem ritmo,
Inertes e descartáveis,
Como um grão de areia.

Tortura é sentir o que sinto
- E como sinto, é sentir demais.

Tortura é estourar
De ponta a ponta,
Dentro de um buraco de metal.

As palavras possuem farpas
As dores são farpas embrulhadas
De nós.
Nós, de primeira pessoa do plural.
Como se o plural existisse.
Nós, de amarração
Como se o laço fosse tocável.

E, em todas as vezes que cometo metalinguagem,
É como se o céu fustigasse
E eu fugisse.

Para debaixo da cama,
Para debaixo do Sol,
Aliás,
Vos pergunto:
- Qual a diferença entre uma formiga de asa e um girassol?

Não responda.
Não há o que responder.

O primeiro,
Persegue a luz de perto,
Encostando-se, esbarrando-se,
A queimar pelas beiradas.
E, por isso,
Essas formigas são estúpidas.

O segundo,
Gira em ângulos inacreditáveis
Em redor da Luz
Buscando-a, cheirando-a,
Mas não saem da terra.
Não saem do chão.
Ficam presas à raízes.

Falta inteligência nas formigas.
Faltam asas aos girassóis.

À mim, faltam as duas coisas.
À mim, falta a delícia de ser quem sou.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Contradição.

Sentei para escrever
Mas desisti.
Desculpa, leitor,
Hoje nasci triste.

CLARISSA DAMASCENO MELO

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Sobre geometria vertical.

Escreva no pulso,
Ou em um bilhete dentro do sapato,
Ou no seu convite de aniversário de cinquenta e três anos,
Ou na jarra de suco de laranja com maçã,
Ou debaixo da cama, onde a bruxa dorme
Ou no lençol da cama, onde a bruxa dorme,
Ou no pente que despenteia seu cabelo,
Ou no espelho cordiforme em beija-flor,
Ou no teclado que vira ponte,
Ou na ponte, que vira dedo,
Ou no livro de capa amarela,
Ou no livro sem capa,
Ou na capa sem livro,
Escreva, doutor de si,
Em uma pedra na calçada,
Ou, em sua cabeça, uma pedrada.
Escreva que você é seu recheio fundamental.
O resto é adjacência.

Das coisas de baixo.

Entenda que
Se nem a lua cresce de uma só vez
Porque, então, da altura
Eu deveria ser freguês?

CLARISSA DAMASCENO MELO

Sobre um diagnóstico.

Enquanto ouvia
A buzina do carro,
O pai amarrado,
A vó à chorar,
O irmão, em seu colo,
Soluçar,
Sua mãe, à gemer,
E sua febre a seu corpo, esquentar.
Achou que devesse morrer.
Achou que devesse surtar.
Mas, foi derreter na boca
Uma bala doida
De café.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Coisas de Veias.

Uma veia impaciente
Está dilatada
Em meu coração.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Brasis do Brasil

Nação única
Com inquilinos diferentes
E adversos,
É Brasil.

Povo único,
Climas mentais
Cores distintas,


Com amores diferentes
E parelhos,
É Brasil.

E almas pacíficas:
Crianças de colo,
É Brasil.

Como os olhos são.
E até que estes chorem sozinhos,
Não seremos Brasil.

MATHEUS ZUCATO ROBERT
(presente para mim, *-*)

Parênteses Nordestinos.

Parece estar se tornando clichê, mas, infelizmente, é mais uma dura realidade que o Nordeste enfrenta: Preconceito internetês. 
Dia desses, li um absurdo. Um cara que se diz culto (e inteligentíssimo), disse que o grande número de nordestinos no estado em que ele mora é o que acarreta o atraso social de lá, porque nós, nordestinos, somos vagabundos e incompetentes (por querer crescer na vida usan
do o estado dos outros). (?????????)
Ainda fez piadinhas de mal gosto e perguntou-me o que um nordestino responderia caso fosse interrogado sobre a Revolução Francesa e como ela poderia influenciar seu voto hoje. (Pensando, ele, que eu nada responderia). Quando o ameaçaram de processo, calou o bico e tentou desdizer todas as ofensas (pior da história: encontrou quem o apoiasse...)
Talvez digam que isso tudo é muito normal e blábláblá, mas, para mim, não é. Como assim, mané, ouvir que o lugar em que você mora fabrica gente incompetente e usurária?! (ISSO É NORMAL??????)
Com o apagão, aí é que as redes sociais encheram-se de piadas recheadas de ofensas (NO NORDESTE TEM LUZ ELÉTRICA??? COMASSIM BRASIL?) Pois então, o Nordeste é a terceira região do país mais industrializada, fica atrás do SE e SUL, e, a cada ano, desenvolve-se ainda mais. (RÁ, MANÉ, TU SABIA DISSO?! NÃO????)
Cansei de ler histórias de Nordestinos que saem de seus estados para estudar, trabalhar, etc e, quando chegam a seus destinos, são surrados e ofendidos. A seca, a fome, a miséria... são realidades sociais que se enfrenta por aqui (Mas, como já disse acima, o Nordeste têm sabido conciliar seus problemas com seu progresso).
Então, me pergunto: É DIFÍCIL ENTENDER QUE O BRASIL É UM SÓ?
Pois, de Norte a Sul, tudo o que vejo é BRASIL. Tudo o que sinto, é BRASIL, tudo o que amo... é BRASIL.





CLARISSA DAMASCENO MELO

Outra vez.

Guarda este choro
Pelo amor de Deus!
Todos os meus passos
Serão seus.

Vou caminhar
Sozinha, amor
Até você esquecer
Essa dor.

Como a felicidade
Assim se desfez?
Vamos tentar, ser feliz, amor,
Outra vez?

CLARISSA DAMASCENO MELO

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Sobre meus.

Pedem-me para contar minha História,
Encontrar meus medos,
Resumir meus anos,
Expor minhas fraturas,
Desnudar, o que já são
Incontáveis ataduras.

Pedem-me para justificar meus dedos moles,
Meu excesso de verbo
De adjetivo
De rendas
E coisa e tal.

Pedem-me para contar nomes,
Dizer quão longa é minha História.
Querem que eu divida meus méritos.
Meus calos,
Minhas loucuras e
Meus homens.

O que desentendem
É que eu não vou pisar nesse chão de areia
De concreto,
De mármore.

Não vou edificar meu passado,
Ou o presente,
Ou o futuro.
Isso é arquitetura de gente com juízo.
Eu não o tenho.

A História é nossa,
O caminho é nosso.
Mas, o que ficar entre as duas linhas,
É meu.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Saudade.


Imposto pra quem sente
Contra o tempo em rotação,
Vida que corre sem juízo.
Sentimento,
Vindo em contratempo,
Que dilacera o coração.
Pois quem,
Em desordem, desmistifica-se,
Na memória inóspita
Do ser bem mais do que se foi,
São as lembranças que chegam sem convite
Abrigam-se em nós,
Faz lágrima cair,
Sorriso ir e vir.
O gosto da língua, por travar,
Amar e desamar,
Amor que foi, veio e será
Na penumbra perene
Das idas e vindas,
Rima de saudade doida,
E não mais que devaneio,
De todas as coisas findas.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Eu encontrei você.

Eu

En
Con
Trei

Você.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Feito o tempo, ressurreição.



Leve feito a página que cai no chão
Brotam as flores em primavera morta.
E a morte é leve,
Feito o sussurro
Que a trouxe aqui.

Sem mim,
Vais seguir.
Sem que eu, por seu braço,
Puxe as linhas que constroem esse poema.

Se és eterno,
Diga o tempo que lhe vai consumir.
Diga a mim,
Por quanto tempo
Eu terei de esperar.

Veja o tempo por um ângulo agudo.
Como se fosse escorrer por suas mãos, agora.
E ele escorre,
Feito a areia dos Ilhéus.
Feito a briza que chega e cega.
Que cega e que não chega mais.

Só diga o tempo que dura
Em um segundo
Para dizer a mim com tua ternura
Por quanto tempo a mais vou esperar.
E se me disser,
E se eu esperar,
Possa ser que dê certo.
Possa ser que seja.
Possa ser que o destino tenha lá suas mortes,
E tuas ressurreições.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Das coisas eternas.



Por um triz
Pensei que fosse eterno.
Mas eu, eu, eu
Eu entendi, por fim,
Que a eternidade
Tem várias faces.
Pode, em meses, resumir-se
Em dias, demorar
Em horas, traduzir-se,
Em um segundo, acabar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 9 de dezembro de 2012

Eu preciso.

Eu tenho um espaço em branco.
Uma tela,
Uma janela,
Uma folha de papel.
E eu possuo os traços,
As esquinas,
As curvas,
Os caminhos do Céu.

E eu resumo meus defeitos
Meus erros
Meus carregos
E minha sina
Num verso.

É que talvez eu precise explodir
Nessa tela,
Nessa janela,
Nessa folha de papel.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sábado, 8 de dezembro de 2012

Mergulha.

Quer entender-me,
No entanto,
Tem medo de mergulhar em mim.
E se tu não mergulhas, criatura
Vais seguir com o mistério
Esse mistério sem fim.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Sobre uma resposta.

Perguntaram-me: Por que escreves?! Pensa em salvar o mundo com palavras?!
No entanto, não respondi. Não havia resposta.
Qual o porque de eu continuar a escrever, dia após dia?
Não sei. Que há para saber?
Não vou perder a mim entendendo uma pergunta, nem tentando achar algum tipo de resposta. Essa é uma pergunta que não existe, e é cíclica. Se eu penso em salvar o mundo?
Não. Porque eu o salvaria?
Para viver nele depois? Talvez. Mas o salvar o mundo é salvar a si. Vou salvar a mim, então.
E que cada um salve a si. O mundo não estaria salvo dessa maneira?
Responde criatura!
Ou que responda o Criador.
Se foi o ovo ou a galinha que Ele fez primeiro, pouco importa. Essa desimportância é deliciosa porque essa palavra também não existe. E se existisse, ainda haveriam pessoas com fome, a estender a mão farpada de fome. E quantas pessoas lhe estendem a mão assim de graça?
Vê meu paradoxo?
Então, como poderia eu dizer porque escrevo?
Achar a resposta não é achar a saída. Então, prefiro dizer que escrevo somente para passar o tempo. Enganar, sabe, o tempo. Enquanto ele passa em linha reta por sobre nós, cortando-nos.
E é esse tempo que essa pessoa perdeu ao perguntar-me porque labuto. Eis que, nessa hora, uma moça engravidada passava pela rua, levando consigo a marmita que conseguira da casa ao lado.
Essa moça dizia a resposta, e ninguém notou.

CLARISSA DAMASCENO MELO


Delírio.

Amanheceu desentendida
Amanhecendo sem querer,
Meio por metade,
Meio por inteira.

O Sol jazia em luz incandescente
E, pela janela fechada, penetrava os vidros loiros
Do seu ser, que já foi.
Seu mistério rodopiava no chão,
Feito peão de menino.

E enquanto os olhos não acompanhavam
A bruta dança do entender-se,
Permaneceu por cima de si,
Dos lenços cálidos,
Esperando alguém para explicar-lhe os últimos fatos.

E os últimos fatos entraram-lhe pela garganta
Que já jazia em amargo delírio.
As tuas pernas,
As antigas pernas,
Não podiam se mexer.
Nem tua língua, que estava cortada.
- E só por isso não gritou.

Ficou com o grito interno,
A terminar de lhe cortar por dentro
Enquanto a língua de faca dizia:
- Sim, você morreu.

CLARISSA DAMASCENO MELO

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Ela janela.

Uma manhã amanhecida.
Uma janela aberta,
Nela, o futuro.
Nela, o passado.
Nela, o tempo que não escorre.
Nela, uma perspectiva.
À sós, uma menina.
Nela, uma manhã amanhecida,
Uma janela no céu,
O futuro, o passado e o tempo que não escorre.
Nenhuma perspectiva.
Nela, a certeza que ser ela
E ser janela, no fim,
Há de ser a mesma coisa.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Nós quer diferente

De porta em porta
Vamo perdendo a voz

O mundo é nosso
Mas nada é da gente

O mundo é nosso
Mas "nós quer" ele diferente

Aonde que vou deixar
O mundo parar?!

Aonde que vou deixar..
Os "hipocrita" falar?

De ponte em ponte
Vou me agarrar na fé

E "ounde" eu não couber
Vou cravar "meus pé"

E vou ficar
Onde eu quiser viver

Se a porra do mundo é nosso
O mundo eu quero ter.

-

Encomenda de JP BAIANO.

CLARISSA DAMASCENO MELO

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Maquiagem.

Há quem diz, pois, coisas horríveis sobre maquiagens. Eu também digo.
Mas me apetece usar um outro tipo, menos comum e mais imediato. Faço uso, pois sei que esse é o sucesso dos grandes circos. E se aquela criança chora por que tem medo de palhaço, a deficiência é da criança, e não da maquiagem. Vê?
Pois pinto o sorriso de vermelho, boca e em redor. Puxo, de uma bochecha à outra, um traço e finalizo preenchendo os cantinhos com pontinhos da guache vermelha. Líquido vivo.
Depois, pinto meus olhos. Uma estrela abaixo de um e, do outro, uma lágrima. Perfeitamente desenhados. Já ouviu falar em equilíbrio? Esse é o meu.
Mas não se engane, pois, maquiagem de palhaço tem hora marcada para sair.
Água e sabão são o suficiente. Molho cada extremidade do rosto enquanto o sabão trabalha em cima de minha pele. O problema em remover a maquiagem, é que, ao olhar o trabalho final no espelho, eu sempre me assusto com o fato do sorriso se limpar, a estrela se limpar, e a lágrima, igualmente de tinta, permanecer em mim.
Como se eu tivesse o tempo todo me dedicado melhor à ela e ela, a mim.

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 2 de dezembro de 2012

Contradição.

Sou dos períodos breves,
Mas escrevo por extensão.
É que no jogo da vida,
O que é sincero
É o medo da contradição.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Água.

Choveu,
Choveu,
Choveu,
Choveu,
E, quando percebeu,
Já havia aguado a vida toda.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sábado, 1 de dezembro de 2012

Costuras.



Todo caroço é coração
Que tamborila por aí...

Todo verso do reverso
Do encanto, encantador,
Tem o poeta descoberto
Em cantar a dor.

O poema é a semente.
Se mente,
É coisa pouca.

E o poeta é o horizonte,
Que se costura
E multiplica.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Doiduras

Se me perguntarem de que sou entendida, responderei com lábios finos: doidura.
Entendo disso, e não de alma, nem de pessoas. Somente os atos controversos que vossas almas cometem é que me fazem algum sentido.
Não vou entender uma declaração de amor, mas vou seguir sorrindo sob um grito no metrô que diz: eu amo você. Não me apetece descobrir como o céu faz chover, mas gosto da chuva que me molha desavisada, escorre em mim e em mim seca. Como secam as lágrimas doidas que aparecem sem querer. Não quero saber como as flores do meu jardim nasceram e estão ali, só quero vê-las ali quando eu sair para olhar a vida passar.
E, aliás, a vida passa. E se eu for escorregar por ela tentando entender todas essas coisas que me entopem, não terei tempo de entender as coisas entupidas por mim. E minha vida é entupir coisas. Entupo o Sol que seca a Terra, entupo a nuvem, que molha a Terra, entupo o homem, que vive na Terra. Só não entupo a Terra porque a sou.
E enquanto os desavisados usam creolina para limpar o mundo, eu fico sem entender coisa alguma. Andam dizendo por aí que as coisas que falo não faz sentido, mas enquanto dizem isso, burlam o tempo das coisas. São tão apressados, mas usam conservantes. E sou eu quem não faz sentido?
Se o gostar daquela flor que nasce no concreto é não pensar, se somente acreditar no amor que nasce por acaso é não pensar, se olhar o Sol e nele enxergar a cura, é não pensar, se correr doida por cima do mar, é não pensar, se amar, malamar e desamar é não pensar, se tomar banho de chuva em dia frio é não pensar, se viver como vivo é não pensar...
Pois então, passarei a vida inteira entendendo só doiduras.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sábado, 24 de novembro de 2012

De um desconcerto.

Puxaram uma linha do horizonte.
Puxaram uma linha em síndrome vertical.
Desconstruíram as costuras das fronteiras.
Destruíram as incógnitas.
Fizeram a si.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Lembrar-me-ei.

Vou me lembrar
Da cor do vento
Quando em passos lentos,
Você chegar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Os garotos.


Os garotos, coxos
Viviam sentados no chão.
As bolas de gude, em suas mãos.
As barrigas redondas
Cheias de farinha, água e ar.
E quando a mãe era questionada,
Respondia que era só isso que tinha para dar.

Não reclamavam da vida.
Se sentiam sede, ou fome, ou frio, ou medo,
Sabiam que isso era vida.
A vida que era deles.
Então, ninguém chorava.

Só à noite,
Quando a mãe chegava sangrando da rua
Os dentes moles, na frente, a falhar
Os ombros roxos de surra, em carne crua.

Aí é que os meninos coxos choravam.
Porque, de raiva,
Também, em cinza, apanhavam.

E choravam, também, quando bêbado,
O pai aparecia.
Entre as mãos, agitava a fivela do cinto,
Entre as mãos, agitava a navalha afiada,
Entre as mãos, faltava carinho,
Entre as mãos, aos filhos, não oferecia nada.

Mas a vida era boa.
Era a vida que se tinha.
Jogavam bolas de gude à toa,
Sentados no passeio da vizinha.

Só que, vindo do céu,
O destino de um deles chegara.
Infeliz é a mão daquele,
Que esse destino, então, traçara.

Ouviu-se as explosões
Que naquela rua chegava.
Eram tiros de ladrões
Que a garganta do menor atravessava.

Gritos.
Gritos.
Gritos.
Gritos.
E mais nada.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Rodopio.


Meus dons existem na toalha molhada
No ônibus lotado
Nas mãos de calos
Nas ruas desertas
Nas mulheres que trabalham nuas
Nos meninos sem carne.

Meus dons existem nos palavrões,
Na vida bruta,
No pressuposto,
E o que é suposto depois do fato.

Minha labuta coexiste com a fome,
A dor
A inércia
E o amanhã.

Meus bens povoam séculos de história perene.
Séculos de eternidade.
Milênios que são contados em segundos.

Eu sou o segundo que conta um milênio.
Nós somos os segundos que contam a História.

Meus olhos são quem conversam
São quem exploram.

São quem faz de um buraco, uma tampa
Um chapéu de palha,
Um santuário.

São quem enxergam portas onde janelas se fecham.
São quem cruzam a rosa dos ventos
Sem direção alguma. Rumo ao infinito.

São quem, ao cruzar o horizonte invisível,
Continuarão rodopiando no chão.

CLARISSA DAMASCENO MELO

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Maria não olha.

Fora um dia difícil, daqueles em que a gramática foge das descrições semânticas. Aliás, isso é uma coisa cansativa, feita para escritores obtusos. Que adianta saber como estavam as árvores, o lago extremamente parado ou em fúria, se as ruas estavam movimentadas ou cruas em sua própria nudez? Leitor bom é leitor que só busca as personagens. Os desígnios descritivos da gramática existem somente para povoar páginas extensas e cansativas. Entendam, agora, que acabo de cortar os pulsos ao descrever extensamente uma opinião que me anula quanto ao que escrevo. E o próprio fato de me anular, me torna, também, obtusa.
Ao chegar no ponto de ônibus, olhou as pessoas nos olhos, e notou pedaços de chuva e fúria em cada olhar. O sol acima faiscava, mesmo sendo, aquela hora, o fim do dia. A princípio, as coisas seguiam seu fluxo normal. Acordou. Vestiu as roupas. Saiu de casa. Pegou o transporte. Ouviu grito do Chefe. Fez-se animal. Saiu para o almoço. Curtíssimo almoço. Voltou para seu enjaulamento. E, abro agora, um parêntese.
Faça, leitor, por favor, um parêntese em sua cabeça enquanto as próximas palavras encherem teus olhos. Desenhe um espaço vazio e complete com o que vos direi por liberdade pura. Minha liberdade literária ingere ecstasy.
Eu não consigo entender, e te digo isso com sinceridade, o que as jaulas tem de tão, tão, para andarem cheias. Sabe, as jaulas, os escritórios cheios. As pessoas bebericam cafezinho naqueles copinhos plásticos enquanto os pés batucam o elevado chão. No entanto, elas não sabem que elas próprias são o plástico que formata o copo. Elas são plásticos programáveis. Isso é patológico!
Eis que ela estava ali -, e agora, leitor, feche os parênteses - inerte em pensamentos doidos. O que fazer para jantar? As crianças, as crianças estão bem? O marido, Ah, fulano! Onde estaria? Não lhe mandara mais mensagens, nem telefonemas, nem respondia às múltiplas cartas. Até que desistiu de reencontrá-lo. Chega uma hora, ah, chega uma hora em que é preciso calar as verdades em si e seguir no mundo sem a outra pessoa. A adjacência que é intransitiva é uma coisa dolorosa.
Os carros passavam arrancando pedaços de ar, deixando, para trás, um vácuo tão veloz quanto sua própria vida. Mulher cansada, anexada ao viver de sobrevivência própria. Ela, ela e os filhos. Dois. E o mundo acabara. Até que todos os teus pensamentos foram cortados quando viu seu ônibus, em escala de cinza, aproximar-se. Um bolo humano formou-se à porta enquanto ela, com olhos cansados, via as formigas empurrarem-se furiosas. "Deus do céu..." Pensou. E se Deus, em Sua soberania, ouvisse o teu chamado mudo, assustar-se-ia com tanta estupidez.
Até que finalmente, com passadas curtas por entre as pernas doidas, achou lugar para sentar. Seria uma viajem longa. Eu tenho, também, umas coisas absurdas para dizer sobre viagens longas. Mas, não, não vou dizer. Agora não. Não quero, leitor, que se sinta tentado a parar o texto antes mesmo do texto começar. Crê? Escrevi tanto e a estória nem começou. Pois eu mesma, que sou narradora-opcional, já estou com os olhos ardendo só de imaginar continuar a escrever. Mas começo coisas e, como tal, preciso fazer com que as coisas acabem. Paciência, comigo, leitor, você tem?
E quando perdeu-se em sono lento, ouviu o espirrar de calma rara. Os batimentos cardíacos, regulares, transpassavam o ritmo lento-azul em que a personagem principal fora abduzida. Então, um choro de criança.   Daqueles em que se ouve em casas de mães recentes. A criança devia ter seus três anos e já era capaz de ensurdecer metade do ônibus. Lá se fora o descanso prévio de nossa personagem, perdão.
Até que mãe e criança andaram até o meio do ônibus. Pararam jocosos e quase-mudos sem achar lugar. De pé, equilibrada sobre dois pés de onça, a mãe segurou firma a mão pequena do seu. Era um menino lindo. A personagem olhou os dois e pensou se teria aquela força toda para andar com seus filhos. Não, certamente não. Não que não gostasse deles, mas é que quando os ouvia chorar, deixava-os sozinhos até que estivessem calmos. Método inventado por ela mesma, que não tinha paciência alguma. Sua vida era o escritório. E ter duas vidas não é talento de muita gente.
Relaxou na cadeira e estava quase que totalmente de corpo amolecido, se não fosse a senhora do lado fazendo barulho de ruminação, dormiria feito antes. A criança chorou de novo e ela olhou os olhinhos vazando água. "Coisa nenhuma, uns bons tapas acalmariam a boca do pirralho...." Pensou, pensou e só pensou. Continuaria pensando se não fosse interrompida pela voz materna que dizia:
-Pode carregar meu filho para mim? Ele fica enjoado quando entra em ônibus e não quero que ele fique...
-QUÊ?!
-Por favor -, repetiu quase num sussurro
Suspirou longamente até ver-se dizendo "Sim"
A criança era macia. Confirmação maior para se dizer que criança nenhuma é oca. Ocos são os olhos de quem nega a maldade própria. E, sentado, o menininho olhou a personagem nossa com doçura. Era uma moça diferente. Tinha rugas. A pele era clara, mas estava com manchas vermelhas de sol. A boca tremia e aquilo era engraçado. Nenhum sorriso, somente seriedade. A moça, embaçada pela timidez, desviou o olhar e a criança não pôde analisar teus olhos. Uma pena. Pois, leitor, não há nada que estampe tudo tão bem quanto teus olhos. Se se enrugam pelos cantos, estás a sorrir. E isso é bom. Se vazam, então tu choras. Que também é bom. Pois se tu choras, leitor, é sinal de que tens coração e alma. Então tens tudo.
O ônibus seguia esquina por esquina, parava para colocar mais gente para dentro, então tornava a seguir. As janelas, fechadas, não impediam a criança de olhar os prédios entortarem-se em vento. E sorria. Escandalava. A personagem olhava, de quando em vez, para isso e escondia a rizada, que saía abafada pelo nariz. "Que tolice..." A mãe do menino ia agarrada ao lado, sorrindo forçosamente. Não de orgulho, mas era uma força também cansada. Culpa do sistema. Mas não sou eu quem apedrejaria o sistema. Ele existe e só. Eu apedrejo quem, cegamente, faz parte dele e edifica-se por ele. Seus mundos cinzas me enojam.
O colo de Maria ficou vazio quando a mãe da criança a puxou para descer. Maria sentiu-se inerte e compadecida. "Mas já...?" A pele macia do menininho haveria de ir-se embora e Maria não o tocaria nunca mais. Silêncio.
- Vamos, pequeno! - Disse-lhe a mãe, paciente.
Pequeno, em seus próprios pés, uniu força e edificou-se até alcançar o rosto de Maria. Então, beijou-lhe a bochecha flácida.
- Tchau, moça bonita! - Disse-lhe com acenos de mão frenéticos.
Sua mãe esticou-lhe o braço e saiu do ônibus com ele no colo.
Maria não olhou para trás.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Sobre o futuro.

Aqui,
O futuro nos engole.
Engole as praças,
As ruas,
As Igrejas sem Deus
E as casas de deuses.

O futuro engole
Os homens de fé
E os homens sem fé
- Sem olhar de quem é o umbigo.

Aqui,
O futuro engole a morte,
A sorte,
A vida,
As tripas,
Os bois,
Nós dois.

O futuro engole os homens,
Os buracos,
O caos.

O futuro engole
Os desgostos esculpidos em mármore
- Ou em pedra sabão,
- Ou em areia viva.

O futuro engole
Santos de madeira,
Santos de Barro,
Santos de Metal,
E os Santos de Fé.

O futuro engole os que por ele vive
E os que vivem sem vida,
E os que vivem de sobreviver
E os que sobrevivem de viver.

No mais,
Depois da coisa,
Depois do fato,
Nós é quem engoliremos o futuro.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Água de Sal.

Como se coisa
Em coisa,
Converte-se

Como em som,
do som,
vos murmura

Como em água
De sal
- Descobre-se ternura.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Rachaduras

Constroem-se casas,
Apartamentos,
Blocos,
Museus,
Naves...
... Quem constrói o lar?

Constroem-se Igrejas,
Com dízimos,
Sem dízimos,
Grandes casas para Deus
E para o bolso.
... Quem edifica o Pai?

Constroem-se muralhas,
Muros intransponíveis
- Separando os nortes.
... Quem constrói os homens?

Constroem-se plural,
De dois, de três.
Plural puro, impuro.
Plural.
... Quem constrói o amor?

Edificam, constroem
- Mas desconstroem.
Grandes engenheiros, taciturnos,
No entanto,
Tem se dedicado  às molduras.

Entre as construções,
As muitas construções,
As tuas construções,
Valiosíssimas construções...
Eu vejo rachaduras.

CLARISSA DAMASCENO MELO

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Amor.

A crônica do mar
Que parte em ar de verso,
Num ângulo amiúde
Paralama desconvexo.


Qual o valor da rima,
Entre partes de um todo
Que se multiplica louco
Em azes de menina?

Em ar de par,
Em verso.

Em mar de lar,
Convexo.

Viver, negar
Que é louco

Em cor de dor
Que é pouco.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Ondas cíclicas.

Olhei
Com olhos murchos
De quem já olhou antes.

Encontrei,
Com a agonia ilustre
De quem já
Havia encontrado antes.

Pensei,
Com a ternura
De quem já
Havia pensado antes.

Esqueci,
Como quem já
Esqueceu milhões
De vezes, antes.

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 11 de novembro de 2012

Feiura.

Olhou o espelho,
O rosto,
A vida.

Não eram seus olhos,
Seu nariz,
Sua boca,
Seus ombros ou braços.

Sua feiura
Morava nas mãos.

CLARISSA DAMASCENO MELO


sábado, 10 de novembro de 2012

As mãos do mundo.

Onde estão os físicos, 
Os químicos, 
Os matemáticos?

Onde estão os engenheiros,
Os médicos, 
Os biólogos?

Onde estão os historiadores, 
Os geógrafos, 
Os ditos imortais?

Pois enquanto 
Se debatem achando
Respostas pro sim, 
Pro não

Os poetas
Enlouquecem!

Enquanto aplicam-se
Fórmulas e teorias
O mundo se divide em caos.

De quem são as mãos
Que sustém o mundo
Quando suas bombas
Calam a nossa voz?

Quando lágrimas cinzas
Escorrem em linha reta
Pelo rosto das crianças

As mãos que sustentam o mundo
São mãos de poetas.

São de quem vos descreve,
De quem, sem som, 
Vos murmura.

E tuas fórmulas 
Constroem o mundo, 
Descobrem o mundo, 
Destroem o mundo.

Enquanto os poetas, 
Nulos, exaustos, 
Seguram a lágrima que escorre
Em silêncio 
Do rosto da humanidade.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Das coisas.

Sou das coisas.
Das raízes.
Dos medos,
Dos ídolos.

Sou anacrônica,
Vivendo entre espaços curtos
Entre distancias amiúdes,
Entre versos que querem dizer
Alguma coisa.

Sou uma vida
Que vive entre as linhas
Do que eu digo,
Do que eu escrevo.

Sou verbos
Que não possuem
Dilatação.

Viver.
Vivo nesse meio termo.

Entre o quente e o frio,
No morno.
Entre a liderança e a subversão,
Na inércia.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Presságio.

Entre as armas
Do século passado
Existiam rosas
Anunciando o mundo.

No meio do mundo
Que vive neste século,
Existem cravos
Anunciando as armas.


CLARISSA DAMASCENO MELO

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Mais uma de gramática.

Inverdades contáveis são
Verdades incontáveis.

E entre os prefixos apaixonados,
Os núcleos,
Os núcleos vão sendo engolidos
Pelas leis gramaticais.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Cores.

Cores que morrem,
São cores que morrem
E fim.

Saber das coisas,
E depois esquecer,
São coisas sabíveis
E esquecíveis, e fim.

Querer entender o que não se entende,
Não, não é entender.
Ao contrário:
É complicar o complicado.

Rezar com as mãos de nó.
De vazio.
É reza pros bois.

Dentro das mãos,
entre as rugas,
Vive-se uma vida inteira.

E minhas mãos vivem atadas
Diante do Cristo.
Ele tem minhas mãos.
E vive entre as linhas que a cortam.

Diante de Cristo,
Eu fecho os olhos,
Enquanto Teus dedos
Tocam a minha testa.

E as cores vivas
em preto-branco colossal,
Param de ser o que são.
E vão colorindo aos poucos...

Enquanto que meu entender
Ainda fica miúdo
Por dentro do que não se sabe.

CLARISSA DAMASCENO MELO


Meu filho.

Venha cá, meu filho, deitar na cama de sua mãe. Não, não chore. Mamãe está bem, está aqui. Isso, isso, deita sua cabeça no meu ombro e me abraça. Deixa mamãe sentir seus bracinhos. Adorei o seu desenho, os médicos me mostraram ontem e então chorei. Não, não chore mais. Estou aqui, ainda... O que queria dizer com o céu chovendo? Ele chove pra você, não chove? Eu sei... É Deus, é Deus chorando conosco. E a Lua? Que quer dizer com a Lua no meio do dia? É a noite, a noite vindo depressa, não é, meu filho? Mas ela, ela é boa. Você dorme e então esquece que está doendo. Não, não toque aí, ainda doi. Pegue aqui, em minha carequinha. Estou bonita, não estou? Sim, estou. Isso é o efeito remédio, meu amor, o remédio fez isso com a cabeça de mamãe. Enlouquece. Maltrata. Mas cura, é, cura. E se cura é bom.
Fique, oh, fique mais um tempo comigo. Deixa eu sentir você aqui. Deixa eu tocar em seu rostinho e dizer ainda que te amo. Deixe-me ficar com você, meu filho, minha alma. Beije, beije o rosto de mamãe. Eu gosto disso! Faz-me lembrar de seu pai. E, cadê seu pai? Ele não vem mais aqui. Acho que têm medo de... Não importa do que o papai sente medo, meu amor. Você não sente, sente? Não, não sente. Eu te amo!
Vai, vai sim, vai dar tudo certo. Diga a sua vozinha que eu ainda estou bem. Diga que eu ainda quero ver todos, se possível for. Diga a seu papai que estou bem. Vou ficar bem, né? Ainda sinto dor, mas o pessoal do hospital me cuida como ele não cuida. Era para cuidar, mas não, não cuida. Venha, aqui, me dê seu último beijinho. É, a pele da mamãe está fedorenta. Ainda não vieram as enfermeiras para me ajudar no banho. Mas beije, ainda assim. Quero sentir na pele áspera o adocicado de sua boca. Ah, você não muda nada! É sempre esse menino doce. Quem será que você puxou? Seu pai sempre foi tão bruto e eu, é, eu sempre fui durona. Você é doce. Adoça-me, meu filho! Mamãe está prestes à partir.

CLARISSA DAMASCENO MELO

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Sobre um poema.

Não serão duas ou três palavras que escrevo
Quem dirão alguma coisa.
O que emite som ao mundo
É a emoção com que escrevo,
É o suor que escorre na linha de minhas costas,
É o sussurro dos ventos,
A veia rígida a dividir minha testa,
O jeito como o poema se transforma.
No fim, sua matéria bruta,
As palavras...
Não terão, assim, tanta importância.
Serão o esqueleto, e só.
A carne do poema,
A emoção do poema,
Quem constrói é quem o lê.
Quem o vê.
É toda a crise psicológica
Pois um poema não pode ser Padre.
Todo poema é Deus.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Brasil.

Duas mulheres, 
Três crianças.
Cinco homens.
Dez pessoas.
Anunciaram o assalto.
Três armas,
Três cabeças no alvo.
Uma criança.
Um pai.
Uma mãe.
Ônibus.
O motorista não parou,
Foi ameaçado. 
Se chorar, 
tiro.
Se gritar,
tiro.
Se não passar a grana,
tiro.
Dez pessoas.
Um choro.
Um tiro, 
Um grito de mãe. 
Enquanto a cena morria congelada, 
Escorria um líquido vermelho-coágulo
No chão.
Era a marca da pobreza
No país da corrupção. 

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 28 de outubro de 2012

Das perguntas (sem respostas).

Aos juízes, pergunto:
- Quem são os responsáveis por teu julgamento?
Aos deuses, pergunto:
- Para quem tu corres quando sente dor?
Aos professores, pergunto:
- Quem vos ensina quando não sabes?
Aos leigos, pergunto:
- De quem reclamará ignorância?
Às Igrejas, pergunto:
- Quem vos sustentará sem teus dízimos?
Aos amantes, pergunto:
- O que será de vós que sois amor encarnado, quando não mais se encarnarem amor?
Aos alunos, pergunto:
- Quem és tu diante de um mestre sem voz?
Ao caos, pergunto:
- Qual bagunça fará tiro da agulha que se quebrou?
Pois vós que sois razão,
Por alma, sente e só,
Mas por medo, esquece o coração,
Que da carne,
Doce-azul, faz do sangue pó,
Do riso,
Persuasão.
Pergunto à ti, entre todas as perguntas,
Que se valem de fraquezas, de erros, de-no-ta-ção,
Vos pergunto agora, de alma calma, rara voz,
Olhos cerrados cujas córneas erguem-se em nós.
Entre os lampejos do céu, diga-me:
Que será de ti,
Quando descobrir,
Que as verdades nada são?

CLARISSA DAMASCENO MELO

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Pequei.

Prometa-me o céu sem as estrelas,
As montanhas, sem os vales,
As casas, sem as paredes,
As borboletas, sem asas...

Prometa-me o mar sem peixes,
Os pés sem calcanhares,
O rosto sem o sorriso,
A religião sem a fé...

Prometa-me, por favor,
Os túneis sem finais,
O arco-íris com apenas uma cor,
As crianças iguais,
Parto sem dor.

Prometa-me uma música sem melodia,
Uma agonia por dia,
Ficarei feliz se assim tudo for.

É que, enquanto eu estiver sem complemento,
Prefiro ver as coisas por se completarem.
Quero ver quebra-cabeças sem a peça chave,
Gritos sem histeria,
Coração sem moradia.

Quero ver o circo sem fogo,
Palhaço sem graça,
Eu no meio do mundo,
Sorrindo por pirraça.

Quero ver o céu meio sem sentido mesmo,
Por que, enquanto o significado nos foge e deixa,
Vou ficando aqui fazendo minhas queixas.
Vou enumerar o enumerado,
Chorar o já chorado,
Derramar em sua cara
O leite derramado.

E depois talvez eu chore,
Por ter escrito o caos,
Talvez eu nem me importe com meu próprio veneno.
Talvez eu nem assuma e te mostre,
O que em mim está doendo.

Mas, se tiver o mínimo de compaixão,
Vire o seu ouvido surdo para mim.
E me dê as coisas completas.
Pois é na hora em que as nego,
em que mais preciso delas.

Talvez eu só me complete com um pedaço
De coisa perdida.
Entre as coisas que te neguei.
E se escrevi coisa algumas, restos de coisa nenhuma,
Desculpa,
É que pequei.

CLARISSA DAMASCENO MELO


Ela.

Um comprimido.
Ar Comprimido.
Dois comprimidos.
Três comprimidos.
Quatro.
Cinco.
Seis.
Sete.
Oito cartelas.
Nove cartelas.
Na décima,
Não existia mais ela.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Dos dentes de faca.

Sentou calada no canto estreito da rua,
Fugiu de dois quarteirões,
Os homens a queriam nua.
Correu sem pés,
Os cem quilômetros de fúria,
Parou no acostamento e fez sua prece.
"Deus existe? Até parece!
Pra nós Deus é uma desculpa..."
Viveu sua vida em preto-branco,
Com cores de dor e remorso.
Fora o castigo que lhe deram,
Ninguém era seu amigo,
Mas os mortos eram..
Conversava sozinha no meio do passeio,
As pessoas só a olhavam
"ALUCINÓGENOS..."
Como se suas drogas não fossem muito mais pesadas,
que as drogas verdes,
Ditas baratas.
E baratas passeavam em sua pele - por dentro e por fora,
E enquanto cuspiam-lhe a cara,
Ela se queria morta.
Eis que só tinha o corpo doente,
Na cara, não havia espaços entre as mutilações,
Acima do pescoço, só dente,
Abaixo dele,
Uma coisa imunda que pagavam para ter.
Não era somente uma prostituta,
Era um pedaço do mundo
Que ninguém quer escrever.

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 21 de outubro de 2012

Mesmas mãos vazias.

Homem e menino se entreolham do espelho.
São duas pessoas,
Morando em uma só.
O menino, vem de longe
Do parque neandertal
Dos casebres fedidos no meio do nada.
Das lixeiras cinzentas no meio da vida.
Dos bosques livres em que ele não podia entrar,
Do olhar soturno de quem o via,
sem querer enxergá-lo.
O homem era o hoje,
O hoje que passou e já é passado.
O homem que se olha no espelho,
E vê o menino antigo,
É o mesmo homem que se lembra
Das crianças remotas,
Do carnaval sem fantasia,
Das músicas de Roda,
Da colher vazia.
Homem e menino possuem,
No tempo-espaço antigo (e novo)
As mesmas mãos vazias,
Os mesmo gestos de fome,
A pincelada de alegria,
O mesmo nome.
A diferença é que arranjaram um terno para o maior,
Enquanto o menor fechava os olhos,
E deixava a vida virar o jogo.

CLARISSA DAMASCENO MELO


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Meio Céu.

Não pense, pois, que o céu está contente.
Quando paras para olhá-lo,
São as estrelas quem você quer.
E eu, do meu lado,
Sendo meio Céu, meio Lua,
Nutro no peito uma inveja constante
Dos verbos intransitivos:
Únicos que seguem sem complemento e,
Ainda assim,
Completam o sentido de tudo.

CLARISSA DAMASCENO MELO

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Chuva.

Pois então, chovia.
Uma garoa inconstante caía nos ombros arrepiados. 
Uma coisa inconstante caia dentro de si.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Sonhos

Pegou a caneta,
O papel,
E escreveu os sonhos.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Das coisas que não sabem ser.


Vou me ser em fatias. 
E fatias de mim jorrarão, em certa hora, do céu pra terra feito chuva. E em meio aos devaneios doidos de mim para o chão, cairão também os pedaços daquele que está enfiado em mim, sem porta de saída ou opção de escolha. Choverá pedaços de coisa que não sabe ser.
E quem dessa chuva tomar banho, verá sua alma emudecer-se em si, e depois brilhar sem achar motivação. Pois brilho de dentro pra fora e ofusco o meu brilhar só por sentir que brilhar é incerto, insolúvel e não possui locução. 
Brilho sozinha. 
E a intransitividade desse verbo é quem faz dele menos merecedor de atenção. Brilha-se só por leis gramaticais, mas levaram isso para a vida. Triste fato que me sobrepõe e enlouquece.
Pois, se brilhar é estar só, ponho-me aqui a dizer que quero ofuscar a mim, que reluz, só pra ter, por entre meus próprios verbos, alguém que os conjugue e verbalize. 

CLARISSA DAMASCENO MELO

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Das verdades (e negativas)

Mas, mais não olham
Mais não cheiram
Só querem,
Só sabem querer.

Não se fazem mais os antigos (e mortos) cartazes.
Não são mais os vândalos do passado.
São só eles - e a garrafa de álcool sem justificativa.
São só eles e possuem
Um único umbigo.
São só eles - e elas,
Que querem, querendo.
Enquanto o Hoje
Vive morrendo.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Salto em mar de areia.

Coloquei a mim pra nadar de salto alto.
Releia essa verdade:
O salto pois que é o luxo pequeno que faço questão.
E o meu nadar, é nadar em mar de areia,
De sal,
De desilusão.

Pois quem não é dono de si, de mais ninguém pode ser.
Sem dono,
Vou ver meu mundo perecer.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Das Diferenças.

O escultor tira do mármore
O que não te serve.
O poeta - mistura entre engajamento e ilusão,
Grita o que não te serve,
E constrói o mármore.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Fim.

Pois que se descreve, entre letras múltiplas de si e dos outros, um pedaço seu que é nosso.
Nossas mãos,
Nossos dias,
Nossa vida.
Que sai de mim pra ti,
De ti em mim,
Do começo, do meio, do fim.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Aço.

Andar no aço massudo achando ser verde a grama que se pisa.
Essa é a sina,
Essa é a vida.
Pois morrer de se viver assim,
Pois então, é a saída.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Dia Santo

É, pois que se foi, tempo de modéstias à parte.
À parte Deus, o homem é produto de si por si mesmo,
E, sozinho, vai comendo o ventre próprio,
Corroendo de dente em dente, o prazer do outro.
Vai descendo a guerra para que a vitória - insana - chegue à si como quem chega ao pedaço perdido do céu, do paraíso.
Ser um só em multidões.
Partir corações,
Destruir a si,
Viver como quem vive o último milênio de paz.
Aliás, um milênio dura um segundo.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Afogar.

Descobri
No meio do mar,
Estrelas do céu
Que me fizeram Navegar.
A água tranquila,
O coração desavisado,
E lá fui eu,
Para me sumir em mim,
De-va-gar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Poeta.

O poeta é um sentidor.
Sentir
Dor.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Andar de Vento.

Vou
Pedir
Para um Santo,
Ou para a minha mãe,
uma resposta, um aviso.
Pois,
Andar de vento,
É carnaval de gente doida.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Clarissa.





"me vel decípher ego devorat.", disse a Esfinge à um desavisado. 
Olhou-a, ar soturno, ventre vazio... Foi devorado.

Nasci em 14 de Julho de 1995, quase que na Roça. Por descuido de mamãe, nasci cheirando os prédios de Itabuna. Sou a filha mais velha de Patrícia Damasceno e Antônio Ricardo, neta de Dona Eleuzina e Dona Helena, Seu Astor e Seu Manequina, e tenho outros dois irmãos. Mas, isso tudo é muito factual. Não posso querer parir o "mim" do meu próprio eu. 
Moro em uma cidade pequena, onde todo mundo se conhece. Itajuípe brilha como quem brilha somente por brilhar. Aqui, o céu tem estrelas e nós, tempo para olhá-las. Gosto de ficar da janela de minha casa olhando pro céu. Dá saudade... Saudade do antes de "mim" e de um descuido tal que me fez estar aqui. 
Agora, pedem-me para falar de mim. Como se um alguém com 17 anos pudesse falar de si displicentemente. Como se falar de si fosse dizer ao mundo o que se é. Pois, não é. Não é por um motivo simples: guardo no peito o que não pode ser dito. O filtro de meus dedos são aguçados e agourentos. 
Gosto do cheiro de café. Acordo com ele e com o cantar de meu galo de estimação (é, eu tenho um galo de estimação e muitos outros bichos. Gosto mais deles). Como acordo cedo, acostumei-me a ver as coisas escuras clareando-se. Como se tudo que está escuro agora fosse, um dia, tornar-se prestígio de Sol. E é o Sol de de manhã cedinho que eu recebo no rosto, que eu respiro. Que vivo.
Viver, v i v e r mesmo, é o que um dia eu quero saber fazer. Como aqueles pássaros que pousam em um lugar e, logo menos, em outro e num outro e outro. Como eles, quero mudar caminhos, pisar em várias tribos, bater asas aqui e estar lá, quase que ao mesmo tempo. Não quero fazer raízes pois as minhas estão prontas (e elas perpassam o mundo inteiro). É que não creio naquele que diz "a árvore deve semear onde foi plantada". Ao contrário, a árvore tem de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, pois, se ela está perdida de si em si, poderá achar-se em um desses caminhos. Não há melhor caminho senão a própria escolha.
Como sou plantação baiana, sou também abençoada por Iemanjá, que, dos mares calmos presenteia a mim e a minha geração com ondas que se levantam e se quebram no espaço. Oxum caminha abraçada comigo, como quem abraça o amor de Nanã. Ika adobale ae. 
No mais, sou um pote. Que já se completou e agora espera o seu transbordar. De como em quando, o mundo é mundo e mar... é mar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Sina.

Esperou que todos acabassem de subir no ônibus. Recostada no poste austero, tinha mãos e dignidade enfiadas nos bolsos traseiros de sua calça jeans surrada. Eis mais um dia de sua vida! Depois que o último pé passou pela porta do coletivo, ela entrou no ônibus. Cobrador e motorista entreolharam-se com suspiros múltiplos. Depois de certificar-se que todos estavam sentados em suas poltronas, começou a dizer sua ladainha:
-Bom dia gente! - Ninguém lhe deu resposta, mas, continuou. -Eu não estaria aqui, fazendo com que vocês percam tempo precioso à toa. É difícil subir aqui desse jeito pra falar com tanta gente que nem para para nos ouvir. Mas, a minha mãe, recentemente,  sofreu ataque do coração e faleceu. Somos somente eu e minha menina. 
Observou, de canto de olho, que uma senhora já estava mexendo na bolsa. Com tantos anos fazendo a mesma coisa, aprendeu que gente fina não espera o texto decorado se concluir, catam logo as moedas que acham pela frente e as jogam nas mãos daqueles que pedem. Ou por bondade, ou pela vontade incontrolável de vê-los calando a boca o mais breve possível. Continuou:
- A minha menina tem seis anos de idade e, nessa semana fez dois anos que só consegue comer por uma sonda. Não abre a boca mais para nada. Foi por causa de uma doença que ela teve quando nova. Seu alimento custa noventa e quatro reais e eu...
E então mais gente se levantou de suas cadeiras para dar-lhe algumas moedas. Ela estendia o braço além da  roleta para alcançar as mãos que se mantinham mais afastadas, e murmurava, entre as palavras de seu texto decorado, um "Deus abençoe" quase inaudível. 
- ... É por isso que estou aqui pessoal, pois esse tipo de comida, que é especial para ela, duram somente duas semanas. Eu não tenho como pagar o tratamento e, se hoje estou aqui, incomodando cada um de vocês, é porque sou mãe. E mãe não sente vergonha de sua filha doente, não é mesmo? Eu acho que...
O cobrador buzinou, como quem avisasse que já estava na hora de partir. Entendendo o recado, ela disse: 
- Deus abençoe cada um de vocês, que ajudaram ou não. Tchau pessoal.
Desceu do ônibus e viu este se afastar, igual a tantos outros. Contou as moedas das mãos e dos bolsos, juntou com as que havia conseguido logo cedo de manhã. "Vinte reais", disse a si. "Vinte reais", repetiu. 
Atravessou a rua e entregou, moeda por moeda, ao rapaz que lhe observava cada vez que cumpria sua sina. Este, olhou-a de lado enquanto contava as moedas jogadas em suas mãos.
Este rapaz lhe fornecia drogas todos os dias.

CLARISSA DAMASCENO MELO

De ti que sorri das dores


P.S.: Este poema virou música nas mãos de João Paulo Hoffmann. Divulgarei em breve.

*

Onde está a criança que canta
Na criança que mora na rua?
Onde está o respeito na mulher que trabalha
...sem graça, sem grana, sem apetite,  nua?

Onde está o circo que faz rir,
O circo colorido de flores?
Onde está a graça do mundo?
...caduco com pedaços de ti
De ti que sorri das dores
De ti que sobrevive em cores
De preto-e-branco 
Azul – Anil
De verde e amarelo do Brasil.
Onde está o mundo que vive, 
Nesse nosso mundo sem vida?
Onde está a letra de música,
No retrato de música ferida?
Onde estão as casas pintadas à guache, 
amarelo vivo de viver sem vida.
Onde está o mundo que se esconde sem rima?
Cadê a sede de viver, 
De viver em mim por ti,
que é mundo, que é tudo
E está sumindo no próprio mundo,
Sem fundo, sem rumo, 
Só pra ver se encontra o pedaço de torta perdida,
Sem vida,
Sem vida, 
Sem rima.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sábado, 29 de setembro de 2012

Pontos.


  1. Três pontos por dias,
    Por fim, um ponto sozinho.
    Acho que é o ponto final

    CLARISSA DAMASCENO MELO

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Diálogos

- Quem é o amor? - Perguntou o menor
- Não é quem, mas o quê. - Respondeu-lhe o maior, sem enxergar-lhe.
- Amor é objeto?
- Não.
- Então, estou certo. Quem é o amor?
O maior respirou fundo, como quem quisesse fugir da própria fuga.
- Você não entederia de amor, és pequeno.
- Então, amar é ser grande?
Respirou: - Não.
- Então, porque em pequeno não posso entender?
- Hum...eu...
- Pois acho que já sei.
- Sabe? - Perguntou curioso. Os óculos escorregando até a ponta do nariz dizia ao menor que o grande é frágil.
- Toda vez que a mamãe faz o bolo que o senhor não gosta, você come.

CLARISSA DAMASCENO MELO