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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Sobre um poema.

Não serão duas ou três palavras que escrevo
Quem dirão alguma coisa.
O que emite som ao mundo
É a emoção com que escrevo,
É o suor que escorre na linha de minhas costas,
É o sussurro dos ventos,
A veia rígida a dividir minha testa,
O jeito como o poema se transforma.
No fim, sua matéria bruta,
As palavras...
Não terão, assim, tanta importância.
Serão o esqueleto, e só.
A carne do poema,
A emoção do poema,
Quem constrói é quem o lê.
Quem o vê.
É toda a crise psicológica
Pois um poema não pode ser Padre.
Todo poema é Deus.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Brasil.

Duas mulheres, 
Três crianças.
Cinco homens.
Dez pessoas.
Anunciaram o assalto.
Três armas,
Três cabeças no alvo.
Uma criança.
Um pai.
Uma mãe.
Ônibus.
O motorista não parou,
Foi ameaçado. 
Se chorar, 
tiro.
Se gritar,
tiro.
Se não passar a grana,
tiro.
Dez pessoas.
Um choro.
Um tiro, 
Um grito de mãe. 
Enquanto a cena morria congelada, 
Escorria um líquido vermelho-coágulo
No chão.
Era a marca da pobreza
No país da corrupção. 

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 28 de outubro de 2012

Das perguntas (sem respostas).

Aos juízes, pergunto:
- Quem são os responsáveis por teu julgamento?
Aos deuses, pergunto:
- Para quem tu corres quando sente dor?
Aos professores, pergunto:
- Quem vos ensina quando não sabes?
Aos leigos, pergunto:
- De quem reclamará ignorância?
Às Igrejas, pergunto:
- Quem vos sustentará sem teus dízimos?
Aos amantes, pergunto:
- O que será de vós que sois amor encarnado, quando não mais se encarnarem amor?
Aos alunos, pergunto:
- Quem és tu diante de um mestre sem voz?
Ao caos, pergunto:
- Qual bagunça fará tiro da agulha que se quebrou?
Pois vós que sois razão,
Por alma, sente e só,
Mas por medo, esquece o coração,
Que da carne,
Doce-azul, faz do sangue pó,
Do riso,
Persuasão.
Pergunto à ti, entre todas as perguntas,
Que se valem de fraquezas, de erros, de-no-ta-ção,
Vos pergunto agora, de alma calma, rara voz,
Olhos cerrados cujas córneas erguem-se em nós.
Entre os lampejos do céu, diga-me:
Que será de ti,
Quando descobrir,
Que as verdades nada são?

CLARISSA DAMASCENO MELO

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Pequei.

Prometa-me o céu sem as estrelas,
As montanhas, sem os vales,
As casas, sem as paredes,
As borboletas, sem asas...

Prometa-me o mar sem peixes,
Os pés sem calcanhares,
O rosto sem o sorriso,
A religião sem a fé...

Prometa-me, por favor,
Os túneis sem finais,
O arco-íris com apenas uma cor,
As crianças iguais,
Parto sem dor.

Prometa-me uma música sem melodia,
Uma agonia por dia,
Ficarei feliz se assim tudo for.

É que, enquanto eu estiver sem complemento,
Prefiro ver as coisas por se completarem.
Quero ver quebra-cabeças sem a peça chave,
Gritos sem histeria,
Coração sem moradia.

Quero ver o circo sem fogo,
Palhaço sem graça,
Eu no meio do mundo,
Sorrindo por pirraça.

Quero ver o céu meio sem sentido mesmo,
Por que, enquanto o significado nos foge e deixa,
Vou ficando aqui fazendo minhas queixas.
Vou enumerar o enumerado,
Chorar o já chorado,
Derramar em sua cara
O leite derramado.

E depois talvez eu chore,
Por ter escrito o caos,
Talvez eu nem me importe com meu próprio veneno.
Talvez eu nem assuma e te mostre,
O que em mim está doendo.

Mas, se tiver o mínimo de compaixão,
Vire o seu ouvido surdo para mim.
E me dê as coisas completas.
Pois é na hora em que as nego,
em que mais preciso delas.

Talvez eu só me complete com um pedaço
De coisa perdida.
Entre as coisas que te neguei.
E se escrevi coisa algumas, restos de coisa nenhuma,
Desculpa,
É que pequei.

CLARISSA DAMASCENO MELO


Ela.

Um comprimido.
Ar Comprimido.
Dois comprimidos.
Três comprimidos.
Quatro.
Cinco.
Seis.
Sete.
Oito cartelas.
Nove cartelas.
Na décima,
Não existia mais ela.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Dos dentes de faca.

Sentou calada no canto estreito da rua,
Fugiu de dois quarteirões,
Os homens a queriam nua.
Correu sem pés,
Os cem quilômetros de fúria,
Parou no acostamento e fez sua prece.
"Deus existe? Até parece!
Pra nós Deus é uma desculpa..."
Viveu sua vida em preto-branco,
Com cores de dor e remorso.
Fora o castigo que lhe deram,
Ninguém era seu amigo,
Mas os mortos eram..
Conversava sozinha no meio do passeio,
As pessoas só a olhavam
"ALUCINÓGENOS..."
Como se suas drogas não fossem muito mais pesadas,
que as drogas verdes,
Ditas baratas.
E baratas passeavam em sua pele - por dentro e por fora,
E enquanto cuspiam-lhe a cara,
Ela se queria morta.
Eis que só tinha o corpo doente,
Na cara, não havia espaços entre as mutilações,
Acima do pescoço, só dente,
Abaixo dele,
Uma coisa imunda que pagavam para ter.
Não era somente uma prostituta,
Era um pedaço do mundo
Que ninguém quer escrever.

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 21 de outubro de 2012

Mesmas mãos vazias.

Homem e menino se entreolham do espelho.
São duas pessoas,
Morando em uma só.
O menino, vem de longe
Do parque neandertal
Dos casebres fedidos no meio do nada.
Das lixeiras cinzentas no meio da vida.
Dos bosques livres em que ele não podia entrar,
Do olhar soturno de quem o via,
sem querer enxergá-lo.
O homem era o hoje,
O hoje que passou e já é passado.
O homem que se olha no espelho,
E vê o menino antigo,
É o mesmo homem que se lembra
Das crianças remotas,
Do carnaval sem fantasia,
Das músicas de Roda,
Da colher vazia.
Homem e menino possuem,
No tempo-espaço antigo (e novo)
As mesmas mãos vazias,
Os mesmo gestos de fome,
A pincelada de alegria,
O mesmo nome.
A diferença é que arranjaram um terno para o maior,
Enquanto o menor fechava os olhos,
E deixava a vida virar o jogo.

CLARISSA DAMASCENO MELO


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Meio Céu.

Não pense, pois, que o céu está contente.
Quando paras para olhá-lo,
São as estrelas quem você quer.
E eu, do meu lado,
Sendo meio Céu, meio Lua,
Nutro no peito uma inveja constante
Dos verbos intransitivos:
Únicos que seguem sem complemento e,
Ainda assim,
Completam o sentido de tudo.

CLARISSA DAMASCENO MELO

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Chuva.

Pois então, chovia.
Uma garoa inconstante caía nos ombros arrepiados. 
Uma coisa inconstante caia dentro de si.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Sonhos

Pegou a caneta,
O papel,
E escreveu os sonhos.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Das coisas que não sabem ser.


Vou me ser em fatias. 
E fatias de mim jorrarão, em certa hora, do céu pra terra feito chuva. E em meio aos devaneios doidos de mim para o chão, cairão também os pedaços daquele que está enfiado em mim, sem porta de saída ou opção de escolha. Choverá pedaços de coisa que não sabe ser.
E quem dessa chuva tomar banho, verá sua alma emudecer-se em si, e depois brilhar sem achar motivação. Pois brilho de dentro pra fora e ofusco o meu brilhar só por sentir que brilhar é incerto, insolúvel e não possui locução. 
Brilho sozinha. 
E a intransitividade desse verbo é quem faz dele menos merecedor de atenção. Brilha-se só por leis gramaticais, mas levaram isso para a vida. Triste fato que me sobrepõe e enlouquece.
Pois, se brilhar é estar só, ponho-me aqui a dizer que quero ofuscar a mim, que reluz, só pra ter, por entre meus próprios verbos, alguém que os conjugue e verbalize. 

CLARISSA DAMASCENO MELO

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Das verdades (e negativas)

Mas, mais não olham
Mais não cheiram
Só querem,
Só sabem querer.

Não se fazem mais os antigos (e mortos) cartazes.
Não são mais os vândalos do passado.
São só eles - e a garrafa de álcool sem justificativa.
São só eles e possuem
Um único umbigo.
São só eles - e elas,
Que querem, querendo.
Enquanto o Hoje
Vive morrendo.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Salto em mar de areia.

Coloquei a mim pra nadar de salto alto.
Releia essa verdade:
O salto pois que é o luxo pequeno que faço questão.
E o meu nadar, é nadar em mar de areia,
De sal,
De desilusão.

Pois quem não é dono de si, de mais ninguém pode ser.
Sem dono,
Vou ver meu mundo perecer.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Das Diferenças.

O escultor tira do mármore
O que não te serve.
O poeta - mistura entre engajamento e ilusão,
Grita o que não te serve,
E constrói o mármore.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Fim.

Pois que se descreve, entre letras múltiplas de si e dos outros, um pedaço seu que é nosso.
Nossas mãos,
Nossos dias,
Nossa vida.
Que sai de mim pra ti,
De ti em mim,
Do começo, do meio, do fim.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Aço.

Andar no aço massudo achando ser verde a grama que se pisa.
Essa é a sina,
Essa é a vida.
Pois morrer de se viver assim,
Pois então, é a saída.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Dia Santo

É, pois que se foi, tempo de modéstias à parte.
À parte Deus, o homem é produto de si por si mesmo,
E, sozinho, vai comendo o ventre próprio,
Corroendo de dente em dente, o prazer do outro.
Vai descendo a guerra para que a vitória - insana - chegue à si como quem chega ao pedaço perdido do céu, do paraíso.
Ser um só em multidões.
Partir corações,
Destruir a si,
Viver como quem vive o último milênio de paz.
Aliás, um milênio dura um segundo.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Afogar.

Descobri
No meio do mar,
Estrelas do céu
Que me fizeram Navegar.
A água tranquila,
O coração desavisado,
E lá fui eu,
Para me sumir em mim,
De-va-gar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Poeta.

O poeta é um sentidor.
Sentir
Dor.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Andar de Vento.

Vou
Pedir
Para um Santo,
Ou para a minha mãe,
uma resposta, um aviso.
Pois,
Andar de vento,
É carnaval de gente doida.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Clarissa.





"me vel decípher ego devorat.", disse a Esfinge à um desavisado. 
Olhou-a, ar soturno, ventre vazio... Foi devorado.

Nasci em 14 de Julho de 1995, quase que na Roça. Por descuido de mamãe, nasci cheirando os prédios de Itabuna. Sou a filha mais velha de Patrícia Damasceno e Antônio Ricardo, neta de Dona Eleuzina e Dona Helena, Seu Astor e Seu Manequina, e tenho outros dois irmãos. Mas, isso tudo é muito factual. Não posso querer parir o "mim" do meu próprio eu. 
Moro em uma cidade pequena, onde todo mundo se conhece. Itajuípe brilha como quem brilha somente por brilhar. Aqui, o céu tem estrelas e nós, tempo para olhá-las. Gosto de ficar da janela de minha casa olhando pro céu. Dá saudade... Saudade do antes de "mim" e de um descuido tal que me fez estar aqui. 
Agora, pedem-me para falar de mim. Como se um alguém com 17 anos pudesse falar de si displicentemente. Como se falar de si fosse dizer ao mundo o que se é. Pois, não é. Não é por um motivo simples: guardo no peito o que não pode ser dito. O filtro de meus dedos são aguçados e agourentos. 
Gosto do cheiro de café. Acordo com ele e com o cantar de meu galo de estimação (é, eu tenho um galo de estimação e muitos outros bichos. Gosto mais deles). Como acordo cedo, acostumei-me a ver as coisas escuras clareando-se. Como se tudo que está escuro agora fosse, um dia, tornar-se prestígio de Sol. E é o Sol de de manhã cedinho que eu recebo no rosto, que eu respiro. Que vivo.
Viver, v i v e r mesmo, é o que um dia eu quero saber fazer. Como aqueles pássaros que pousam em um lugar e, logo menos, em outro e num outro e outro. Como eles, quero mudar caminhos, pisar em várias tribos, bater asas aqui e estar lá, quase que ao mesmo tempo. Não quero fazer raízes pois as minhas estão prontas (e elas perpassam o mundo inteiro). É que não creio naquele que diz "a árvore deve semear onde foi plantada". Ao contrário, a árvore tem de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, pois, se ela está perdida de si em si, poderá achar-se em um desses caminhos. Não há melhor caminho senão a própria escolha.
Como sou plantação baiana, sou também abençoada por Iemanjá, que, dos mares calmos presenteia a mim e a minha geração com ondas que se levantam e se quebram no espaço. Oxum caminha abraçada comigo, como quem abraça o amor de Nanã. Ika adobale ae. 
No mais, sou um pote. Que já se completou e agora espera o seu transbordar. De como em quando, o mundo é mundo e mar... é mar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Sina.

Esperou que todos acabassem de subir no ônibus. Recostada no poste austero, tinha mãos e dignidade enfiadas nos bolsos traseiros de sua calça jeans surrada. Eis mais um dia de sua vida! Depois que o último pé passou pela porta do coletivo, ela entrou no ônibus. Cobrador e motorista entreolharam-se com suspiros múltiplos. Depois de certificar-se que todos estavam sentados em suas poltronas, começou a dizer sua ladainha:
-Bom dia gente! - Ninguém lhe deu resposta, mas, continuou. -Eu não estaria aqui, fazendo com que vocês percam tempo precioso à toa. É difícil subir aqui desse jeito pra falar com tanta gente que nem para para nos ouvir. Mas, a minha mãe, recentemente,  sofreu ataque do coração e faleceu. Somos somente eu e minha menina. 
Observou, de canto de olho, que uma senhora já estava mexendo na bolsa. Com tantos anos fazendo a mesma coisa, aprendeu que gente fina não espera o texto decorado se concluir, catam logo as moedas que acham pela frente e as jogam nas mãos daqueles que pedem. Ou por bondade, ou pela vontade incontrolável de vê-los calando a boca o mais breve possível. Continuou:
- A minha menina tem seis anos de idade e, nessa semana fez dois anos que só consegue comer por uma sonda. Não abre a boca mais para nada. Foi por causa de uma doença que ela teve quando nova. Seu alimento custa noventa e quatro reais e eu...
E então mais gente se levantou de suas cadeiras para dar-lhe algumas moedas. Ela estendia o braço além da  roleta para alcançar as mãos que se mantinham mais afastadas, e murmurava, entre as palavras de seu texto decorado, um "Deus abençoe" quase inaudível. 
- ... É por isso que estou aqui pessoal, pois esse tipo de comida, que é especial para ela, duram somente duas semanas. Eu não tenho como pagar o tratamento e, se hoje estou aqui, incomodando cada um de vocês, é porque sou mãe. E mãe não sente vergonha de sua filha doente, não é mesmo? Eu acho que...
O cobrador buzinou, como quem avisasse que já estava na hora de partir. Entendendo o recado, ela disse: 
- Deus abençoe cada um de vocês, que ajudaram ou não. Tchau pessoal.
Desceu do ônibus e viu este se afastar, igual a tantos outros. Contou as moedas das mãos e dos bolsos, juntou com as que havia conseguido logo cedo de manhã. "Vinte reais", disse a si. "Vinte reais", repetiu. 
Atravessou a rua e entregou, moeda por moeda, ao rapaz que lhe observava cada vez que cumpria sua sina. Este, olhou-a de lado enquanto contava as moedas jogadas em suas mãos.
Este rapaz lhe fornecia drogas todos os dias.

CLARISSA DAMASCENO MELO

De ti que sorri das dores


P.S.: Este poema virou música nas mãos de João Paulo Hoffmann. Divulgarei em breve.

*

Onde está a criança que canta
Na criança que mora na rua?
Onde está o respeito na mulher que trabalha
...sem graça, sem grana, sem apetite,  nua?

Onde está o circo que faz rir,
O circo colorido de flores?
Onde está a graça do mundo?
...caduco com pedaços de ti
De ti que sorri das dores
De ti que sobrevive em cores
De preto-e-branco 
Azul – Anil
De verde e amarelo do Brasil.
Onde está o mundo que vive, 
Nesse nosso mundo sem vida?
Onde está a letra de música,
No retrato de música ferida?
Onde estão as casas pintadas à guache, 
amarelo vivo de viver sem vida.
Onde está o mundo que se esconde sem rima?
Cadê a sede de viver, 
De viver em mim por ti,
que é mundo, que é tudo
E está sumindo no próprio mundo,
Sem fundo, sem rumo, 
Só pra ver se encontra o pedaço de torta perdida,
Sem vida,
Sem vida, 
Sem rima.

CLARISSA DAMASCENO MELO