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domingo, 1 de abril de 2012

Sem ser eu


Eu já tentei ser tanta gente! Tentei virar atriz de filme de guerra sem perceber que a guerra, em si, sou eu mesma. Tentei passar batom vermelho no bico pra ver se minha fortaleza aumentava de tamanho, quando, na verdade, rubro era meu sangue.
Já tentei pincelar nas pálpebras um pó azul-turquesa que cintilasse e ofuscasse o brilho do mundo. Nessa época, quem cintilava era a imensidão do céu aberto. Eu não.
Já tentei emagrecer só pra ver se eu ficava mais bonita. Quem emagreceu foi a minha sensatez, e então aí fiquei mais feia.
Passei óleo de pitanga no rosto  para deixá-lo menos ressecado. Acabei por ressecar meus olhos quando percebi que todo o efeito era passageiro. Toda beleza deveria durar para, pelo menos, quem quer viver doente.
Coloquei um laço cor-de-rosa na ponta da trança de meus cabelos querendo que, assim, eu ficasse mais doce. Minha doçura sempre foi tão pequena! Embora, confesso, sempre existisse uma imensidão sabor de mel dentro de meu peito, preferi que a anarquia branco e preta refletisse pelo cristal de meus olhos. Depois, arranquei o laço da ponta da trança e a desfiz: Meu cabelo, ao receber a primeira soprada dos ventos, embaraçou em diástole de atrevimento.
Tentei trocar de nome diversas vezes só pra ver se o peso de minhas lágrimas diminuiriam. Meu nome lacrimeja meu eu inteiro! Fui Letícia, fui Roberta, fui Carlinha... Em um dia só! E ser tantos nomes foi tão cansativo quanto concentrar meu desespero em um único.E desse desprazer, tirei vontade de reinventar como que é poder ser Clarissa. E então a solidão e a insensatez rumaram seu caminho de volta: minha alma.
Eu já esqueci - de propósito - de tomar meus remédios só para tentar ser, por um dia, alguém que não precise deles. Passei mal a tarde toda e, quando voltei pra casa, desejei comê-los. Tentei de inúmeras formas me retransformar. Me des-fi-gu-rar. Busquei da infinitude amarelo-ouro um pouco de sanidade amoral e pesada só para me escrever.
Por que é esse meu desejo: Parar de me escrever pelos outros. Parar de ser personagem. Parar de ter olhos e bocas diferentes. Parar de me camuflar para desabafar. E desabar. E desencantar!
Vou desatar meus nós. Desmistificar meus mitos. Desconversar minhas paródias. Descolorir meu universo. Jogar preto onde houver branco. Jogar branco onde houver preto. Jogar cores onde só encontrar azul. Azul.
Vou tentar ser outra pessoa sendo eu mesma.

CLARISSA DAMASCENO MELO