Os garotos, coxos
Viviam sentados no chão.
As bolas de gude, em suas mãos.
As barrigas redondas
Cheias de farinha, água e ar.
E quando a mãe era questionada,
Respondia que era só isso que tinha para dar.
Não reclamavam da vida.
Se sentiam sede, ou fome, ou frio, ou medo,
Sabiam que isso era vida.
A vida que era deles.
Então, ninguém chorava.
Só à noite,
Quando a mãe chegava sangrando da rua
Os dentes moles, na frente, a falhar
Os ombros roxos de surra, em carne crua.
Aí é que os meninos coxos choravam.
Porque, de raiva,
Também, em cinza, apanhavam.
E choravam, também, quando bêbado,
O pai aparecia.
Entre as mãos, agitava a fivela do cinto,
Entre as mãos, agitava a navalha afiada,
Entre as mãos, faltava carinho,
Entre as mãos, aos filhos, não oferecia nada.
Mas a vida era boa.
Era a vida que se tinha.
Jogavam bolas de gude à toa,
Sentados no passeio da vizinha.
Só que, vindo do céu,
O destino de um deles chegara.
Infeliz é a mão daquele,
Que esse destino, então, traçara.
Ouviu-se as explosões
Que naquela rua chegava.
Eram tiros de ladrões
Que a garganta do menor atravessava.
Gritos.
Gritos.
Gritos.
Gritos.
E mais nada.
CLARISSA DAMASCENO MELO
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