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sábado, 30 de junho de 2012

Simultaneidade

- Eu amo o mundo!  Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
- Você é louco?!
- Não, sou poeta.

Mário Quintana

O que carrego do mundo

Se não dor,
Que havia de ser?
Quando olho nos olhos
Daqueles que não têm pão
Quando passo pelas calçadas
Bem perto dos donos da rua
Quando não vejo a chuva
Qundo não tenho chão.
O que carrego do mundo
É pesado demais
Não tem voz, mas grita
O grito que todos ouvem
- De ouvidos tapados por mãos amigas.
Quando passo pela lama
A cena congelada que quero esquecer
Os meninos sem blusa
Sem terno
Sem pão.
O que carrego do mundo
O mundo de todos
- E de poucos.
Os cárceres lotados
A cena lotada de nó
De poeira
De pó
O que carrego do mundo
A sopa gelada
A colher vazia
O grito de todos
- De muitos.
O que carrego do mundo
Se não dor,
Que havia de ser?


CLARISSA DAMASCENO MELO

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Sem nome.


Ele esperou por ela durante anos. Nunca pensou que um dia pudesse encontrá-la tão suave e perdida. Mas encontrou. E encontrá-la fez as cores do dia aparecerem. Fez as luzes piscarem. Fez as ondas do mar pararem de segundo a segundo, e quebrarem no ar. Fez dos dias, noites longas. Encontrá-la o fez bobo. Mais bobo do que ele costumava ser. Encontrá-la atraiu pra si um pouco de vaidade e orgulho, pureza e paz. Fez as coisas sem sentido terem um pouco de sentido; e as coisas que ele desacreditava, passaram a residir dentro dele.
Ela, não somente em si, refletia luz - no universo inteiro. E até sua introspecção era divertida. O divertia até quando não queria falar com ele. E ela fazia dele um boneco de amor. Ele a amou durante meses enquanto ela estava perto. Amou-a sem pensar em mais nada. Em nada - nada mesmo. Ouviam música juntos, caminhavam juntos, riam juntos - mas não viviam juntos. Ele era dela, mas ela, de quem era?
E, quando pensou que estava tudo resolvido - e quando, inclusive, passou a ouvir a própria música tocar pela primeira vez; a música desafinou, a luz apagou, o riso sumiu. O céu acendeu em dia e o sonho... o sonho foi ser sonhado por outra pessoa.

Acabou.
Acabou.
Acabou.
Acabou.
Ele acordou... e o sonho acabou.
(Aquele velho abrir de olhos que mata.)



CLARISSA DAMASCENO MELO

terça-feira, 26 de junho de 2012

Erro (meu)

Sei não. Essa de estrelas no céu, no mar, nos olhos... Estrelas que brilham, que piscam, que mudam de cor. Erro meu ter acreditado na pequena explosão para brilhar. Não é isso que dizem? A ciência... Ela não sabe de tudo? A teoria é fácil: Explode-se. Brilha-se. Bem simples. Mas, cadê?
Esperei explodir em pedacinhos para poder brilhar, criar espectros de luminosidade. Não na Terra. Mas, em um lugar maior, mais quente, embora vazio seja. Quis explodir, nervo a nervo, meu coração - pequeno e muxoxo. Para que serve o coração senão para brilhar? E, se ele não explodir, como é que vai brilhar? Entenda leitor, também quero escrever certo sobre as linhas, que são tortas.
Então, como uma mente que saltita em felicidade, expus à venda meu coração. Quem o quis? Assim mesmo, exposto ao relento da noite, e à cada orvalhada do amanhecer, ele ficou intacto, no aguardo de três, ao menos três moedas.
E quem - imaginei eu - negaria três moedas por um coração?
Não existe explosão sem dor. Não existe brilho sem explosão. Não existe explosão sem... sacrifício.
A minha revolta é a certeza dessa última linha. Pois bem. Pois mau. Eu perpassei todos os níveis de dor e náusea até o dia de minha explosão. O universo me deve o brilho que era prometido. Não estou conseguindo brilhar. BRI-LHAR!
Pois se o amor me foi roubado antes mesmo de ser consumido, litro a litro, goela à baixo; porque o brilho não brilhou?
Foi então, leitor, que eu descobri que a simbologia desse texto - de tão complexa, é capaz de se tornar anônima - sempre gritou agudo (de voz veluda, valente voz): O brilho não é para quem pode, é de quem quer.

Clarissa Damasceno Melo

Rafael Mendes

Eis que, no tardar da hora, respiro fundo na tentativa frustrada de esquecer uma certa dor que aparece aguda não somente em mim, mas em toda uma legião de alunos fascinados por um professor. Alegres, por um dia terem compartilhado a voz rouca e a alegria contagiante, inconsolados, por terem perdido uma personalidade tão brilhante quanto notada. E este é o típico dia que eu desejaria fortemente não existir. Mas existe e é todo nosso.
Eu escreveria, se pudesse, um texto para transcrever e traduzir o que não costuma ter tradução: O amor incondicional pelos alunos que, inclusive, por ser recíproco, me coloca a tentar escrever. Mas quando escrevo, surge a teimosia. Por que sei, bem sabido, que jamais será possível traduzir em letras todo um amor que é meu e de todo mundo. Todo um tempo que se foi sem fazer despedida nem hora em nossa porta. Foi assim, de supetão, tudo.
Eu poderia escrever sobre isso. Sobre o amor que a gente sente. Mas, o sentir amor está bem mais relacionado a se agarrar fortemente em algo ou alguém. Agarramos-nos a Rafael Mendes; porém, condiz mais dizer porque. E... digam-me: Por quê? Será o senso moralista passado em todas as aulas? Ou o típico baianês exaltado? Será, ainda, as performances musicais...? As duras críticas contra a politicagem corrupta e desumana... as injustiças sociais... O desapego nosso pelo lugar em que vivemos? Será o gingado que o mantinha de pé até mesmo na hora de proferir um palavrão? Será o jeito de nos fazer rir? Ou, será ainda, uma reunião disso tudo adicionado a um “mais” subentendido e resguardado?
Foi-se um tempo não só de admiração, mas de devoção mesmo. Ele entrava na sala e todas as luzes se apagavam. Parecia que ele próprio era a luz que refletia no quadro. Era aula dele por si próprio. E, sabemos todos, ele brilhava sem fazer força.Dava aula olhando nos olhos. Parecia ter certeza de que era amado. Não será sua partida suficiente para nos fazer esquecer daquilo que foi belo. E será belo para sempre.
O tempo vai passar, e, o que ficará, dentre todas as coisas que importam, é o sorriso sincero, o batuque baiano e a vontade de ver as coisas melhorarem.

Clarissa Damasceno Melo