Tortura é estar como estou
Pisar onde piso
- E onde não piso.
Tortura é escutar o que escuto
- E não escutar o resto interno.
Não há vida
Dentro de minhas letras,
Mas há letras
Em minha vida.
Eu dependo de meus dedos,
Paulatinos sem ritmo,
Inertes e descartáveis,
Como um grão de areia.
Tortura é sentir o que sinto
- E como sinto, é sentir demais.
Tortura é estourar
De ponta a ponta,
Dentro de um buraco de metal.
As palavras possuem farpas
As dores são farpas embrulhadas
De nós.
Nós, de primeira pessoa do plural.
Como se o plural existisse.
Nós, de amarração
Como se o laço fosse tocável.
E, em todas as vezes que cometo metalinguagem,
É como se o céu fustigasse
E eu fugisse.
Para debaixo da cama,
Para debaixo do Sol,
Aliás,
Vos pergunto:
- Qual a diferença entre uma formiga de asa e um girassol?
Não responda.
Não há o que responder.
O primeiro,
Persegue a luz de perto,
Encostando-se, esbarrando-se,
A queimar pelas beiradas.
E, por isso,
Essas formigas são estúpidas.
O segundo,
Gira em ângulos inacreditáveis
Em redor da Luz
Buscando-a, cheirando-a,
Mas não saem da terra.
Não saem do chão.
Ficam presas à raízes.
Falta inteligência nas formigas.
Faltam asas aos girassóis.
À mim, faltam as duas coisas.
À mim, falta a delícia de ser quem sou.
CLARISSA DAMASCENO MELO
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