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sábado, 29 de setembro de 2012

Pontos.


  1. Três pontos por dias,
    Por fim, um ponto sozinho.
    Acho que é o ponto final

    CLARISSA DAMASCENO MELO

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Diálogos

- Quem é o amor? - Perguntou o menor
- Não é quem, mas o quê. - Respondeu-lhe o maior, sem enxergar-lhe.
- Amor é objeto?
- Não.
- Então, estou certo. Quem é o amor?
O maior respirou fundo, como quem quisesse fugir da própria fuga.
- Você não entederia de amor, és pequeno.
- Então, amar é ser grande?
Respirou: - Não.
- Então, porque em pequeno não posso entender?
- Hum...eu...
- Pois acho que já sei.
- Sabe? - Perguntou curioso. Os óculos escorregando até a ponta do nariz dizia ao menor que o grande é frágil.
- Toda vez que a mamãe faz o bolo que o senhor não gosta, você come.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sábado, 1 de setembro de 2012

A velha.

É uma história de verdade. A assumirei de cara limpa, sem a tinta guache que uso no rosto. Sem as muitas locuções que me protegem de mim e da insanidade de mostrar um centímetro de pele. Será a minha história, eu por mim, somente eu por mim.
Naquele dia eu havia acordado sobressaltada. Como se um golpe muito forte estivesse atingindo a minha nuca. Os olhos colados, a boca com o sabor amargo de manhã de domingo. Era eu. Somente eu e não poderia haver mais ninguém. Quer dizer, haver, havia. Dor nas costas. Dor nos braços. Dor de garganta. E todas essas coisas tolas que emanam de mim suavemente, como se em mim houvesse uma fábrica de coisas. E há.
Assim que levantei, ouvi gritos na cozinha. Era a minha mãe que havia acabado de queimar o arroz. Do meu quarto até a cozinha - o caminho mais extenso do mundo -, pude ouvir a meus dois irmãos brigando, à minha vó rangendo na cadeira de balanço, aos meus gatos miando, e à meu pai, que dizia: Sai da frente!
E eu sou assim: Uma mancha que vaga pela casa, recostada aos móveis, como se objeto fosse. Verdade é que sou mais de mim, de meus problemas, que dos outros. Vivo mais para dentro que para fora. Seja isso defeito ou pecado, mistério ou eloquência, é a minha evasão. Pois minha cura é essa: a minha evasão dos outros.
E, mal pude abrir os olhos, que, de longe, ouvi minha mãe dizer:
- Venha aqui! Venha aqui agora! Vamos, sua menina lesada, vou contar até cinco, um... dois...
A minha mãe é assim. Ela quer as coisas com pressa, para ela, a vida não pode esperar um segundo. 
- Estou sentindo um pouco de... - tentei dizer, mas fui interrompida com um punhado de moedas jogadas em minhas mãos - Mas eu...
- VÁ!
E lá fui eu. Pela calçada, procurando uma sombra para me jogar em baixo. Sabe, camuflar a mim. Permanecer invisível e inócua, para que, assim, as pessoas não cheguem à mim, nem eu chegue à elas. Pois, quem me suportaria? Somente os ventos, as sombras, - o futuro, ou o passado. O agora não me quer, jamais me quis.
Entrei no mercado. E, ao sentir as primeiras baforadas do ar impregnado do local, certifiquei-me de que não houve pé de gente que parou para olhar em meus olhos. Era a sombra das calçadas que ainda me cobria. Segui até a ala de alimentos. Olhei as prateleira, conferi preços, observei os papeis de presente jogados no chão. Presentes... 
Caminhei - de passadas leves - até as frutas. Maçãs gigantes e vermelhas brilhavam para mim. E o brilho que brilhava em meus olhos brilharam de volta para as maçãs. 
Quando comecei a escolhê-las, uma a uma - como se uma fosse diferente de outra - deixei que caísse de minhas mãos todos os alimentos que eu havia escolhido. Caiu tudo ao chão. Como se minhas escolhas fossem nada além de produtos de supermercado. Como se minhas escolhas pertencessem, desde sempre, como um ciclo, ao chão. 
Proferindo um pequeno xingamento de canto de boca, tentei me agachar. E então, a dor nas pernas, nas costas, nos braços, em mim. Mas, leve e solene, antes mesmo de minha própria chegada ao chão, duas mãos de velha agarravam as minhas escolhas. E, em uma fração de segundo, estava tudo de volta em minhas mãos. A velha olhou para mim e sorriu. Sorriu o sorriso que eu esperava das pessoas. Sorriu o sorriso que eu queria ver refletindo no espelho. Sorriu o sorriso que pertencia à mim, mas que nunca foi meu. E, no meio daquele sorriso, a velha me deixou sentir como se eu fosse uma no mundo.

CLARISSA DAMASCENO MELO