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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Clarissa.





"me vel decípher ego devorat.", disse a Esfinge à um desavisado. 
Olhou-a, ar soturno, ventre vazio... Foi devorado.

Nasci em 14 de Julho de 1995, quase que na Roça. Por descuido de mamãe, nasci cheirando os prédios de Itabuna. Sou a filha mais velha de Patrícia Damasceno e Antônio Ricardo, neta de Dona Eleuzina e Dona Helena, Seu Astor e Seu Manequina, e tenho outros dois irmãos. Mas, isso tudo é muito factual. Não posso querer parir o "mim" do meu próprio eu. 
Moro em uma cidade pequena, onde todo mundo se conhece. Itajuípe brilha como quem brilha somente por brilhar. Aqui, o céu tem estrelas e nós, tempo para olhá-las. Gosto de ficar da janela de minha casa olhando pro céu. Dá saudade... Saudade do antes de "mim" e de um descuido tal que me fez estar aqui. 
Agora, pedem-me para falar de mim. Como se um alguém com 17 anos pudesse falar de si displicentemente. Como se falar de si fosse dizer ao mundo o que se é. Pois, não é. Não é por um motivo simples: guardo no peito o que não pode ser dito. O filtro de meus dedos são aguçados e agourentos. 
Gosto do cheiro de café. Acordo com ele e com o cantar de meu galo de estimação (é, eu tenho um galo de estimação e muitos outros bichos. Gosto mais deles). Como acordo cedo, acostumei-me a ver as coisas escuras clareando-se. Como se tudo que está escuro agora fosse, um dia, tornar-se prestígio de Sol. E é o Sol de de manhã cedinho que eu recebo no rosto, que eu respiro. Que vivo.
Viver, v i v e r mesmo, é o que um dia eu quero saber fazer. Como aqueles pássaros que pousam em um lugar e, logo menos, em outro e num outro e outro. Como eles, quero mudar caminhos, pisar em várias tribos, bater asas aqui e estar lá, quase que ao mesmo tempo. Não quero fazer raízes pois as minhas estão prontas (e elas perpassam o mundo inteiro). É que não creio naquele que diz "a árvore deve semear onde foi plantada". Ao contrário, a árvore tem de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, pois, se ela está perdida de si em si, poderá achar-se em um desses caminhos. Não há melhor caminho senão a própria escolha.
Como sou plantação baiana, sou também abençoada por Iemanjá, que, dos mares calmos presenteia a mim e a minha geração com ondas que se levantam e se quebram no espaço. Oxum caminha abraçada comigo, como quem abraça o amor de Nanã. Ika adobale ae. 
No mais, sou um pote. Que já se completou e agora espera o seu transbordar. De como em quando, o mundo é mundo e mar... é mar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

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