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sábado, 2 de fevereiro de 2013

Antes, depois, agora.

- EU ACHO QUE É UM POUCO DISSO! –Gritou- Desse amor doente, sem destino, malvado, corrompido! É um pouco de ganância, de fome, de luxúria, de medo, de guerra, de irracionalidade, de imbecilidade, de sede, de cólera... – Respirou – Mas ainda é amor, do mais puro e do mais covarde que tu possas imaginar. É um pouco de tanto querer cuidar que chega a se desejar a doença, é um pouco de querer ferir-me só pra ver-te correndo em meu encontro para me abraçar e dizer que tudo vai ficar bem. É um pouco do querer-te sem querer-te. Do pisar pisando sem no chão tocar. E eu te amo tanto que te quero dentro de minha vida, sufocado. E se dela tu ousares sair, saio eu também. – Olhou-o, não havia resposta. – E tu podes ficar aí, calado, sem falar-me, mas ainda estarei aqui, a cuspir-lhe a verdade que circunda meu peito e me aperta. EU ESTOU SEM AR! VÊ?! E ainda que tu fiques mudo pela eternidade, terá ainda que ter ouvidos que terminem de me escutar. Não careço de respostas tuas. E mesmo que fiques surdo, continuarei gritando na frente de seus olhos para que, ainda assim, veja o que eu digo. E se ficares mudo, surdo e cego, ainda estarei aqui, a tocar-lhe a mão, para que saibas que ainda estou aqui e não desisti de tua vida em minha vida. É um pouco do querer gritar para que o que está aqui saia de minha garganta e invada a sua, como se o amor fosse uma doença que pudesse ser transmitida no vento. Essa doença é degenerativa e eu quero ver-te morrendo dela. A morte mais linda é aquela que divide o coração em dois, sem remendo. Já pensou que lindo deve ser morrer de amor? No meio da praça, com o buquê de flores na mão, debaixo da chuva, ou no meio do quarto vazio. Eu morro onde quer que você queira. E se quiseres partir meu coração em dois, faça; pois tens liberdade de fazer o que quiseres com aquilo que é teu. – Silêncio – E se me faltarem palavras, ainda assim saberás que estou diante de ti, não saberás? Estou fazendo força para arrancar de um espaço pequeno o que já me é demais grande. O coração é tão pequeno, mas possui profundidade cabulosa. Essa agonia besta que vês é agonia de um poço enorme aberto dentro de uma coisa pequena. E todas essas linhas adornadas de exclamações e interrogações estão sendo puxadas por uma mão que enfio em minha garganta. Essa mão doente que me faz engasgar cada palavra antes de dizê-la. Quem criou essas palavras todas pensou em mim, diante de ti, a dizer-te cada uma delas. Dizer-te sem saber dizer. E se me pedires para que eu repita, uma a uma, eu não saberia. Amor é bicho que não se decora, é rabisco de improviso, é coisa que não se demora. E se eu demorar, se eu não estiver onde eu deva estar, é coisa que acontece pra fazer o amor lançar suas farpas dolorosas. O amor tem dois lados, sabia? Há um pouco de Deus dentro dele, mas também tem um demônio. Não adivinhe diante de quem tu estás agora. A divindade possui duas caras e nem todo demônio é mau. Muitos demônios são só injustiças. Talvez tu estejas mudo por injustiça. – Entraram no quarto, dois homens. A fala acelerou, feito o tempo diante dela, que não deixava a voz pausar – E se no fim estivermos juntos, evitarei olhar-te. A saudade é outro bicho que nos pertence. Pertence à mim, já que tu és eu e eu sou tu. Nós nos somos. ME SOLTA! EU NÃO VOU SAIR! Eu ainda tenho muito para dizer a este que não responde. ELE NÃO ME RESPONDE POR QUÊ? ELE NÃO RESPONDE... – Um choro agudo, uma agulha, um fim. Um corpo mole. Um corpo rígido. Dois homens carregam uma mulher para fora do necrotério. O rosto pálido encima da maca não se mexia. Jamais se mexeria. Mas ainda era capaz de ouvir.
Era a morte tentando vencer o amor. E era o amor enfrentando a morte.


CLARISSA DAMASCENO MELO

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