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sexta-feira, 25 de julho de 2014

Prêmios.

Nunca ganhei nada com poesia:
Além das medalhas, dos certificados e 
dos abraços e dos parabéns; 
uma jarra de solidão serve meu copo.

Clarissa D. Melo

Minhas retinas.

Minha retinas, pobre delas,
Esperam rever os velhos
Que já se foram. 

Clarissa D Melo

Adeus, Panta Rhei

O que destrói o surrealismo da vida
É o imenso peso do
Inexorável.

Adeus, Panta Rhei,
Pois Heráclito esqueceu
Que existem dores
Permanentes.

Clarissa D. Melo

Seguir adiante.

Ainda que os jornais 
Mintam sobre nós

Ainda que a polícia
Venha nos prender

Ainda que tiranos
Desejem nos matar,
Seguiremos adiante.

Podem fazer com que
tentemos desistir,
Mas nós não desistiremos:

Ainda que as algemas
Nos apertem o pulso,
o braço esquerdo permanecerá erguido.

Clarissa D. Melo

Não é tempo de silêncios.

Homens e mulheres de meu século, 
Jamais silenciem.

Mordam as mordaças
Que lhes forçarem usar. 

Escuto os tempos do absurdo,
Debruço-me sobre lágrimas.

A Era da Barbárie não morreu:
Está aqui, ensanguentada.

O lucro capitaliza as emoções,
E até a minha lágrima que escorre
Tem preço.

O beijo já não se beija:
Compra-se.

Não mais existe o entre-bocas,
Somente o privilégio
De beijar ouros e joias e terra...

Homens e mulheres de meu século,
Permito que, sobre mim,
Chorem.

Legitimo vossas lágrimas
Ante minha ressecada pele.

Sou o calor de mãe
Que afaga o filho sem terra

Sou a mão da mãe
Que toca o corpo gelado do filho morto,
Baleado,
Que fazia manobras no sinal.

Sou a poesia livre,
Encharcada de sangue
Dos filhos de mim arrancados,
Dos filhos que não pude criar.

Filhos,
Não vos assombreis
Com o abalar de meu coração.

Não vos desespereis
Com esse mundo de injúrias.

Teus pés descalços ardem,
Mas são capazes de andar.

Marchem, filhos,
Marchem juntos.

Lado a lado,
Ombro a ombro.

No principiar da Nova Era,
Eu sou a mãe de braços abertos.

No meio do tiro atravessado
E da justiça tardia,
Eu sou a revolta.

Eu sou a Mãe-Terra,
Eu sou o amanhã. 


- Clarissa Damasceno Melo

Dos meus devaneios.

Sentada na beira do nada, olhando por fora da janela azul, eu me senti saudosa de mim mesma e procurei buscar, nos cantos, os meus pedaços que resolvi perder. Meu Deus. Como pude eu, que sempre fui outra, esquecer de mim mesma e encostar-me num lugar qualquer? Perdi minhas linhas e minhas estribeiras, meu Céu e meu verão, meu inverno, meu outono, minha moda: perdi tudo. Por quantas vezes quis suspirar e não sabia como? Quis andar e não sabia quando, quis fazer de mim quem sempre fui, sem saber por onde. E outrora estive perto de sentir como se nunca houvesse feito sentir antes. E mais uma vez, e outra vez e mais uma.

Sou poeta sem poesia. Sem o frio na espinha, no meio do ventre. Abandonei as letras e meus dedos duros, inquietos, venenosos... Mas eis que me sentei na beira do nada, por cima de tudo, pra procurar saber por onde vaga o eu que sempre fui. Meu Deus. Que me perdoem os afeitos à objetividade, e nisso eu mesma busco o meu perdão. Que me perdoem os afeitos à falsa modéstia - aquela que cerra os dentes pra não fazer sorrir: mas sou pó de mim mesma e sentada aqui no devaneio busco compreender o inexorável prazer de me ser. Se nada fui, agora é que não sou.

Com o perdão da palavra, espero não ser perdoada por vossos olhos, vossas tripas, vísceras e vinho espumante. Espero ser incompreendida, inconstante que sou. E se minhas letras se confundem e se atropelam por cima de minhas ideias; busco o vento que vem da janela aberta espalhar meu pó: eu sumo.

Quem diria eu... me despedindo...

Clarissa D. Melo.