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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

2013

A noite chega, então é hora de virar a página, cruzar os dedos e fazer promessas. As pessoas se abraçam e se desejam as melhores coisas, como se essas fossem feitas para serem desejadas somente em datas especiais. Os abraços são mais quentes, mais poderosos e, neles, cabemos todos. O mundo se aperta e as pessoas ficam próximas, sorridentes. Todos estão felizes e os rostos taciturnos vão embora.
O céu escurece dizendo que um ano acaba, então quem está longe te liga dizendo que te ama, e que lhe quer bem, você emudece em si e sente-se culpado por não estar com essa pessoa. Os olhos fecham-se com força e você balbucia "que assim seja para nós". De uma hora para outra, "nós" existe como "eu" existe. Todo mundo pensa em todo mundo. Não basta ter um bom ano para si, todos tem de ter.
Bom seria se meia noite fosse para sempre. Estouram-se fogos de felicidade no céu de cada um. Todos têm um plano e, enquanto a noite não acaba, todos querem pô-los em prática. Realizar o bem. Fazer-bem. E ser presença na vida de pessoas queridas.
À meia noite, eu abracei cada pessoa que eu amo. Abracei com braços e com mente. Pois carrego muitas outras por dentro de mim que nem sequer viram meus olhos de perto. Abracei-as com o coração.
Dois mil e doze vezes eu sorri, dois mil e doze vezes eu chorei. Conheci duas mil e doze pessoas, me apaixonei por duas mil e doze outras. Quis fugir de dois mil e doze problemas, superei outros mil. A vida é cíclica, uma aventura. Há sempre dois mil e mais alguns motivos para se querer meter a mochila nas costas e seguir passadas adiante.
O ano vira e nós viramos juntos, de mãos dadas, para o desconhecido. Ninguém sabe quantas coisas virão e quantas outras deixarão de ser. Sabemos só que temos planos, guias, e uma vida para edificar. As mãos de cada um são o próprio Deus dizendo o mapa a ser seguido.
Que 2013 traga as edificações dos sonhos, afaste o que nos fez sofrer, aproxime as escadas da vida, faça nossos braços maiores para alcançar aquelas coisas lá no alto, onde ninguém mais vê, somente você...
Pense em um passarinho preso em uma gaiola, cujas grades são feitas de ferro que não enferruja nunca. Esse passarinho olha o céu de dentro da gaiola e pensa o quão grande e azul aquilo tudo é, então, imagina-se voando por ele, conhecendo-o. Vê-se batendo as asas por cima das nuvens brancas que desenham a paisagem, por cima das montanhas cobertas do verde mais puro que existe.
Dentro da gaiola, em cima, presa em um cordão, há uma chave. Essa chave é o que liberta o passarinho. Basta-lhe voar, bater as asinhas ali dentro mesmo, bicar a chave e, então, perder-se no azul do infinito. No entanto, fizeram o passarinho acreditar que, entre seu bico e as chaves, há um tecido tênue e perigoso. Deram-lhe o nome de medo. O que impede as batidas de asas é a presença desse tecido. E então o passarinho encosta sua cabecinha em uma das grades e põe-se a imaginar o quão perigoso arriscar-se no azul deve ser. E é!
Você nunca vai saber se o azul é fértil ou infértil, se é bom ou ruim. É aquela estória de ninguém testar a profundidade de um rio usando as duas pernas. Não... O passarinho não sairia de onde está somente para conhecer o mundo em frente. Ele prefere aquietar-se em seu mundo limitado e ali dormir.
Agora, pense que você é esse passarinho e que 2013 é o Céu azul. O tecido são os seus medos e, a chave acima, as oportunidades. Você tem duas asas e um bico para poder tentar não ser esse passarinho. Tem sim.

Feliz 2013!

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 30 de dezembro de 2012

Atravessar a rua

Há uma lei simples
Que eu mesma inventei:
Preciso de tuas mãos
Até para atravessar a rua.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Deus não pesca.

Uma criança surda e cega
Chora de remorso
Pelos olhos vazantes
Sem destino.

Os olhos tortos escondem
Uma poeira faminta,
Uma casa sem tinta
Uma lembrança de ontem.

Seus olhos respiram sem pulmão,
Pelas ruas de Ilhéus
Pelas praças cheias
De passadas vazias.

O avanço trouxe-lhe
Nós de estômago,
Beliscões no braço esquerdo,
Feitos por teus próprios dedos.

A praça tinha braços
Que se alargavam
E se estendiam
Além dos arranha-céus.

E a criança sem olhos
Nem destino,
Esticava os braços para cima
Na esperança de Deus pescar-lhe.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Você me diz sem falar.

Você me ateia fogo,
E então me esquece.
Faz-me crua e me rejeita,
Faz-me tua e não me põe correntes,
Diz-me o que dizer e foge.

E eu, do meu lado,
Disfarço.
Digo não me importar
Com a falsa liberdade
De ser plural
Onde queres singular.

E se conjugo o verbo errado,
Porque gritas?

Deixe-me o caminho bifurcado,
Para que eu escolha onde caminhar

Deixe-me o caminho escorregadio
Para que, dos teus braços,
Eu encontre a cruz
Depois de me soltar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sábado, 29 de dezembro de 2012

Rapsódia

Minha alegria anda triste
E isso não é alegoria
Para se mostrar.

Meu sorriso anda partido
Por não ter escolhido
O verbo certo
Para conjugar.

Minha vida
É de retóricas.

Eu sou feita de rapsódias,
Os vãos de dores e cores,
As alergias
Cobertas com pó.

No deserto,
Debaixo do Sol,
Eu sou o nó.

Viver de briza sem sombra
Sorrir de riso sem felicidade
Viver dois vivos em sanidade
São desprazeres que a gente encontra.


CLARISSA DAMASCENO MELO


Batuque

Tamborilar
Tão Bom
Rir Lá.
Tá Bom
Rir Lá.
Tão bom ir lá.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Lá fora.

Murmuro
Orações mudas,
Emudecidas.

Lá fora, no cais,
Alguém morre de fome.
E eu não consigo ver.

Lá fora, no concreto,
Uma flor tenta nascer,
Mas não nasce.
E eu não consigo ver.

O mundo acontece lá fora,
E eu aconteço por dentro,
E ninguém vê.

Não são os olhos que estão
Fechados.

Nem são as custosas
Vidas de madame quem matam.

São as pessoas,
Taciturnas,
Mudas,
Emudecidas.

As pessoas matam pessoas,
E ninguém reparou
Que o mundo parou sem reparo.

Vamos descer?
Ir lá fora,
Ver a flor no concreto crescer?

Ou lá fora iremos
Ver uma pessoa
De fome morrer?

O medo paralisa,
E ninguém vê.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Por tais portais.

Por tais motivos
É que abro meus portais.
Embruteço,
Amadureço,
Enlouqueço,
Peço o mesmo,
Colho o tempo,
e adormeço.

Sou senhora
Sem hora,
Faço parto sem dor,
Meus problemas...
Jogo-os no meu ventilador...
Ventilar a dor.

CLARISSA DAMASCENO MELO

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Mãos.

Minhas mãos suadas ainda enxugam testas que gotejam,
E abrem meus caminhos vastos.
São mãos calosas, mas suaves
Que suam e que choram por serem minhas.

Meu rumo embrutece
Enquanto, silenciosas,
Minhas mãos aram a terra em que piso,
E desenham meu destino em horizontes pontiagudos.

Minhas mãos são mães de Cristos sem coroa,
Nem altar...
São de pedras que não
Sabem perfurar,
São de sangue e veneno.

A linha de minha vida
Mora em minhas mãos
Lidas por ciganas cruas
Que não sabem ler futuro.

Dentro de minhas mãos
Vive um útero sem fruto.
Em codinome,
Desfaz-se.

Mas, são mãos.
E são minhas.
As terei pela eternidade.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Pessoas da Alma

Uma casa pequena
Que reúna os braços 
Pr'os abraços
De vocês.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Em branco

Um espaço em branco,
Então eu enxergo o Céu.
Enxergo as linhas diagonais,
Enxergo a terra molhada, e a terra seca
Da seca do Sertão.

Um espaço em branco,
Então eu vejo as estrelas
Que sobem à cabeça dos namorados terrenos.
Vejo um mar e o mar de solidão
Vejo as letras se formando
Leves, à palma da mão.

Busco os abraços nos braços de quem não vejo.
Busco os Nortes nas bússolas quebradas,
Os calcanhares de Aquiles que insistem em arrebentar o mundo.
Eu vejo crustáceos
Um mergulho,
Um piquenique.

Um olho de vidro, no teto, grudado.
Um móbile de pedrinhas azuis e arame,
Um filtro de sonhos
Um pecado
Um amor
Um som.

Um espaço em branco, então enxergo
Meu nome e o nome dele
Sou capaz de ver a cor do vento
E as dores que a vida já me deu.
Vejo os barquinhos de papel da infância
E, então, não quero ver mais nada.

Um espaço em branco
E vejo uma bicicleta
Um machucado com sangue
Um remédio que arde
E uma cicatriz.

Um espaço em branco e,
Pois bem,
Infinitas letras transformam
O mínimo em tudo.
Tudo o que você foi.

CLARISSA DAMASCENO MELO


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Pr'umbigo do Universo.

Vai avoando no céu um vento quente que repuna. O mato seco dos solos rachados nem mais existem, e, pelo céu, a chuva de poeira insiste em ser real, anuviando as visagens. As andorinhas avoaram para longe de toda a gente, e toda a gente anda 'cas cabeças emudecidas. Cuns trapos em trança enfiados nos lombos, os pequenos agarrados pelas mãos, as mulheres vão cedo caminhar atrás duma fonte de água. As crianças têm bocas sujas, com manchas de Terra em redor e carregam baldes vazios.
E barriga vazia.
E coração vazio.
E futuro vazio.
É tudo vazio nessa Terra, menos o mais.
Menos o povo, menos o amanhecer.
Essa é a vida que se tem lá por dentro das tripas do mundo. Ali é o centro da terra. O chão marrom aguado é chão que se pisa e não deixa pegadas. Os cactos possuem espinhos que não furam. E as mulheres, peitos sem leite. Os homens? Ficam por ouvir, quando anoitece, o choro das crianças.
Isso é mundo de se viver, Deus Pai, Guerreiro?
O céu é de um azul celeste e brilhante, é que Seu Sol vive sem medida seu reinado. O cenário é árido, quente, de pólvora. Como se em argum momento toda a atmosfera vermelha fosse explodir-se.
A lua alumia as noites com mais trégua. Sem muito rigor do Sol, que impunha testas suadas nas gentes do Sertão. E dá-lhe suor pr'essa gente sem destino.
É que é desatino,
Parar de falar de coisas da cidade,
Para olhar um pouco
Pr'umbigo do universo.

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 16 de dezembro de 2012

Uma prece por uma alma.

Se eu disser, meu Deus, blasfêmias
Considere que minha voz depende
Da surra mundial.

Se eu disser, meu Pai, que eu não O amo
É pecado gerado por meus dedos
Mentirosos e medíocres.

Se eu escrever, Senhor, em linhas diagonais
O que eu devia escrever no coração,
É erro meu.

Não quero de Ti a liberdade
Se minhas mãos voarem soltas.

Aliás, as minhas mãos têm voado soltas
Pelo mercado de almas.
Têm estado vazias,
E esse vazio, Pai, é o que me doi.

Não espalhe, Senhor, minhas falhas
Pois elas são fruto do mundo.

Eu fui feita de ser mundo.
De ser irresponsável e perene.
Mas é que eu, eu gosto de ser eu.

Eu gosto de fazer
O que a mim foi dedicado.
E se me rebelo diante de Ti,
É frustração que passa.

Pretendo sair do mundo ainda sendo ele.
Ainda vazia por dentro
Por merecer o vazio que já é meu.

E se esse vazio escorre de minhas mãos
Até a minha alma,
Então eu me rebelo.

Mas se meu vazio sair de minha alma,
E guiar-se lento até as minhas mãos,
Eu calo a boca.

Porque, Senhor,
Sou entendida de saber que mão vazia ainda cria calo,
Pés vazios, ainda têm destino,
Boca vazia, ainda tem voz, mesmo que muda,
Mas, Pai, se eu tiver alma vazia,
Não terei nem mãos, nem pés, nem boca.

CLARISSA DAMASCENO MELO


sábado, 15 de dezembro de 2012

O caminho mais difícil.

O mais difícil
É começar.

É incrível
O desinício
Do não tolerar.

Eu não tolero!
Não tolero os brutos sons
Que gritam agudo
Por onde devo seguir.

Vos digo apenas que começo
E eu não quero saber por onde.

Quero ter o direito de me decidir
De me ser inteira, de seguir-me inteira.

E o que eu tenho sido
São promessas do que devo ser.

Quero o prazer de escorrer nos dedos
O que for vontade minha.

É o meu começo,
O meu início,
O meu caminho,

Deixe-me trilhá-lo sentindo fé em mim.
Deixe-me dar minhas próprias passadas,
Sem as tuas mãos,
Segurando minhas esquinas.

Sem tuas mãos,
A me mostrar o caminho.

Sem teus olhos
Que se enrugam com
Vontades minhas.

Deixe-me seguir só.


CLARISSA DAMASCENO MELO

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Caminho.

Espero que o caminho
Carregue a mim por sobre as flores.
Elas, que vivem na esquina,
Nos bosques calmos,
Na sala de estar.

Espero que o caminho seja breve,
Que seja longo, que seja curto,
Mas, que seja. Que chegue a ser.
Mas, repito, exijo as flores
Regadas com rendas mordaçadas.

Tragam Mordaças!
Para que eu cale em segundos
O que os espiões disserem,
O que os pessimistas alegarem,
O que os realistas ousarem pensar.

E, para que ao fim do caminho,
Eu as use também.
Uma sobre a outra,
Para eu não espalhar o terror
Do meu caminho
Para quem for trilhá-lo outra vez.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Ararueira

Ararueira mora ali,
Dentro de mim,
Respira que flutua,
Coisa de escritor moderno.

E Aleijadinho tentou te desenhar.
Com traços finos, perseguidos,
A lenda, quis contar.

Mas não,
Ararueira vive em mim,
E mora ali,
Pertinho de Bagdá.

Ou esteja ele
Pertinho do céu.

Psicodelia!!
Psicodelia!!
Psicodelia!!

Tell me, baby, now
How are you?
Tell me, baby, now
I love you, I love you!

Ararueira mora ali
Vive de tocaia
Tocando violão.

Seu violão canta samba
E aquele tal do Rock'n Roll
E se Ararueira de mim fugisse,
Iria à Itabuna fazer um show.

Quis contar a lenda
De um índio domesticado.
Quis dizer a vida
De um jeito todo errado.

Mas Ararueira não está aqui
Nem tá aí pro mundo ouvir.
É que do pé de Ararueira
Eu colho fruta madura.

Eu colho jaca dura.
Eu colho o violão da
Viola nove.

E se Ararueira se olhasse no espelho
Iria assistir a Macunaíma
De véu de noiva,
Cigarro na boca, e diria:
Ai, Deus Pai, que preguiça!

Eu vejo Ararueira todo dia.
Em uma tela quadrada que brilha.
Ele mora lá do lado,
Ele mora aqui por dentro,
Mas insiste em uma tela
Ficar trancafiado.

Ararueira canta Xote
E é xique-xique de Direito,
Seu santuário é feito casa
E não sai de teu Terreiro.

Pois então, Ararueira,
Teu poema eu consegui fazer?
Ao menos um poeta amigo,
A gente tem que ter.

CLARISSA DAMASCENO MELO

à JP BAIANO.









quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Refém.

Um Nordestino foi pra São Paulo para a vida melhorar.
Pegou carro,
Pegou trem,
Viu a vida se gastar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Coisa de vapor.

Debaixo da coberta suja, entre o chão e o linho, vivia alguém. Passaram dois Skinheads armados e, então, debaixo da coberta, não vivia mais ninguém.

CLARISSA DAMASCENO MELO

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Sobre a Luz.

Tortura é estar como estou
Pisar onde piso
- E onde não piso.

Tortura é escutar o que escuto
- E não escutar o resto interno.

Não há vida
Dentro de minhas letras,
Mas há letras
Em minha vida.

Eu dependo de meus dedos,
Paulatinos sem ritmo,
Inertes e descartáveis,
Como um grão de areia.

Tortura é sentir o que sinto
- E como sinto, é sentir demais.

Tortura é estourar
De ponta a ponta,
Dentro de um buraco de metal.

As palavras possuem farpas
As dores são farpas embrulhadas
De nós.
Nós, de primeira pessoa do plural.
Como se o plural existisse.
Nós, de amarração
Como se o laço fosse tocável.

E, em todas as vezes que cometo metalinguagem,
É como se o céu fustigasse
E eu fugisse.

Para debaixo da cama,
Para debaixo do Sol,
Aliás,
Vos pergunto:
- Qual a diferença entre uma formiga de asa e um girassol?

Não responda.
Não há o que responder.

O primeiro,
Persegue a luz de perto,
Encostando-se, esbarrando-se,
A queimar pelas beiradas.
E, por isso,
Essas formigas são estúpidas.

O segundo,
Gira em ângulos inacreditáveis
Em redor da Luz
Buscando-a, cheirando-a,
Mas não saem da terra.
Não saem do chão.
Ficam presas à raízes.

Falta inteligência nas formigas.
Faltam asas aos girassóis.

À mim, faltam as duas coisas.
À mim, falta a delícia de ser quem sou.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Contradição.

Sentei para escrever
Mas desisti.
Desculpa, leitor,
Hoje nasci triste.

CLARISSA DAMASCENO MELO

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Sobre geometria vertical.

Escreva no pulso,
Ou em um bilhete dentro do sapato,
Ou no seu convite de aniversário de cinquenta e três anos,
Ou na jarra de suco de laranja com maçã,
Ou debaixo da cama, onde a bruxa dorme
Ou no lençol da cama, onde a bruxa dorme,
Ou no pente que despenteia seu cabelo,
Ou no espelho cordiforme em beija-flor,
Ou no teclado que vira ponte,
Ou na ponte, que vira dedo,
Ou no livro de capa amarela,
Ou no livro sem capa,
Ou na capa sem livro,
Escreva, doutor de si,
Em uma pedra na calçada,
Ou, em sua cabeça, uma pedrada.
Escreva que você é seu recheio fundamental.
O resto é adjacência.

Das coisas de baixo.

Entenda que
Se nem a lua cresce de uma só vez
Porque, então, da altura
Eu deveria ser freguês?

CLARISSA DAMASCENO MELO

Sobre um diagnóstico.

Enquanto ouvia
A buzina do carro,
O pai amarrado,
A vó à chorar,
O irmão, em seu colo,
Soluçar,
Sua mãe, à gemer,
E sua febre a seu corpo, esquentar.
Achou que devesse morrer.
Achou que devesse surtar.
Mas, foi derreter na boca
Uma bala doida
De café.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Coisas de Veias.

Uma veia impaciente
Está dilatada
Em meu coração.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Brasis do Brasil

Nação única
Com inquilinos diferentes
E adversos,
É Brasil.

Povo único,
Climas mentais
Cores distintas,


Com amores diferentes
E parelhos,
É Brasil.

E almas pacíficas:
Crianças de colo,
É Brasil.

Como os olhos são.
E até que estes chorem sozinhos,
Não seremos Brasil.

MATHEUS ZUCATO ROBERT
(presente para mim, *-*)

Parênteses Nordestinos.

Parece estar se tornando clichê, mas, infelizmente, é mais uma dura realidade que o Nordeste enfrenta: Preconceito internetês. 
Dia desses, li um absurdo. Um cara que se diz culto (e inteligentíssimo), disse que o grande número de nordestinos no estado em que ele mora é o que acarreta o atraso social de lá, porque nós, nordestinos, somos vagabundos e incompetentes (por querer crescer na vida usan
do o estado dos outros). (?????????)
Ainda fez piadinhas de mal gosto e perguntou-me o que um nordestino responderia caso fosse interrogado sobre a Revolução Francesa e como ela poderia influenciar seu voto hoje. (Pensando, ele, que eu nada responderia). Quando o ameaçaram de processo, calou o bico e tentou desdizer todas as ofensas (pior da história: encontrou quem o apoiasse...)
Talvez digam que isso tudo é muito normal e blábláblá, mas, para mim, não é. Como assim, mané, ouvir que o lugar em que você mora fabrica gente incompetente e usurária?! (ISSO É NORMAL??????)
Com o apagão, aí é que as redes sociais encheram-se de piadas recheadas de ofensas (NO NORDESTE TEM LUZ ELÉTRICA??? COMASSIM BRASIL?) Pois então, o Nordeste é a terceira região do país mais industrializada, fica atrás do SE e SUL, e, a cada ano, desenvolve-se ainda mais. (RÁ, MANÉ, TU SABIA DISSO?! NÃO????)
Cansei de ler histórias de Nordestinos que saem de seus estados para estudar, trabalhar, etc e, quando chegam a seus destinos, são surrados e ofendidos. A seca, a fome, a miséria... são realidades sociais que se enfrenta por aqui (Mas, como já disse acima, o Nordeste têm sabido conciliar seus problemas com seu progresso).
Então, me pergunto: É DIFÍCIL ENTENDER QUE O BRASIL É UM SÓ?
Pois, de Norte a Sul, tudo o que vejo é BRASIL. Tudo o que sinto, é BRASIL, tudo o que amo... é BRASIL.





CLARISSA DAMASCENO MELO

Outra vez.

Guarda este choro
Pelo amor de Deus!
Todos os meus passos
Serão seus.

Vou caminhar
Sozinha, amor
Até você esquecer
Essa dor.

Como a felicidade
Assim se desfez?
Vamos tentar, ser feliz, amor,
Outra vez?

CLARISSA DAMASCENO MELO

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Sobre meus.

Pedem-me para contar minha História,
Encontrar meus medos,
Resumir meus anos,
Expor minhas fraturas,
Desnudar, o que já são
Incontáveis ataduras.

Pedem-me para justificar meus dedos moles,
Meu excesso de verbo
De adjetivo
De rendas
E coisa e tal.

Pedem-me para contar nomes,
Dizer quão longa é minha História.
Querem que eu divida meus méritos.
Meus calos,
Minhas loucuras e
Meus homens.

O que desentendem
É que eu não vou pisar nesse chão de areia
De concreto,
De mármore.

Não vou edificar meu passado,
Ou o presente,
Ou o futuro.
Isso é arquitetura de gente com juízo.
Eu não o tenho.

A História é nossa,
O caminho é nosso.
Mas, o que ficar entre as duas linhas,
É meu.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Saudade.


Imposto pra quem sente
Contra o tempo em rotação,
Vida que corre sem juízo.
Sentimento,
Vindo em contratempo,
Que dilacera o coração.
Pois quem,
Em desordem, desmistifica-se,
Na memória inóspita
Do ser bem mais do que se foi,
São as lembranças que chegam sem convite
Abrigam-se em nós,
Faz lágrima cair,
Sorriso ir e vir.
O gosto da língua, por travar,
Amar e desamar,
Amor que foi, veio e será
Na penumbra perene
Das idas e vindas,
Rima de saudade doida,
E não mais que devaneio,
De todas as coisas findas.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Eu encontrei você.

Eu

En
Con
Trei

Você.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Feito o tempo, ressurreição.



Leve feito a página que cai no chão
Brotam as flores em primavera morta.
E a morte é leve,
Feito o sussurro
Que a trouxe aqui.

Sem mim,
Vais seguir.
Sem que eu, por seu braço,
Puxe as linhas que constroem esse poema.

Se és eterno,
Diga o tempo que lhe vai consumir.
Diga a mim,
Por quanto tempo
Eu terei de esperar.

Veja o tempo por um ângulo agudo.
Como se fosse escorrer por suas mãos, agora.
E ele escorre,
Feito a areia dos Ilhéus.
Feito a briza que chega e cega.
Que cega e que não chega mais.

Só diga o tempo que dura
Em um segundo
Para dizer a mim com tua ternura
Por quanto tempo a mais vou esperar.
E se me disser,
E se eu esperar,
Possa ser que dê certo.
Possa ser que seja.
Possa ser que o destino tenha lá suas mortes,
E tuas ressurreições.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Das coisas eternas.



Por um triz
Pensei que fosse eterno.
Mas eu, eu, eu
Eu entendi, por fim,
Que a eternidade
Tem várias faces.
Pode, em meses, resumir-se
Em dias, demorar
Em horas, traduzir-se,
Em um segundo, acabar.

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 9 de dezembro de 2012

Eu preciso.

Eu tenho um espaço em branco.
Uma tela,
Uma janela,
Uma folha de papel.
E eu possuo os traços,
As esquinas,
As curvas,
Os caminhos do Céu.

E eu resumo meus defeitos
Meus erros
Meus carregos
E minha sina
Num verso.

É que talvez eu precise explodir
Nessa tela,
Nessa janela,
Nessa folha de papel.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sábado, 8 de dezembro de 2012

Mergulha.

Quer entender-me,
No entanto,
Tem medo de mergulhar em mim.
E se tu não mergulhas, criatura
Vais seguir com o mistério
Esse mistério sem fim.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Sobre uma resposta.

Perguntaram-me: Por que escreves?! Pensa em salvar o mundo com palavras?!
No entanto, não respondi. Não havia resposta.
Qual o porque de eu continuar a escrever, dia após dia?
Não sei. Que há para saber?
Não vou perder a mim entendendo uma pergunta, nem tentando achar algum tipo de resposta. Essa é uma pergunta que não existe, e é cíclica. Se eu penso em salvar o mundo?
Não. Porque eu o salvaria?
Para viver nele depois? Talvez. Mas o salvar o mundo é salvar a si. Vou salvar a mim, então.
E que cada um salve a si. O mundo não estaria salvo dessa maneira?
Responde criatura!
Ou que responda o Criador.
Se foi o ovo ou a galinha que Ele fez primeiro, pouco importa. Essa desimportância é deliciosa porque essa palavra também não existe. E se existisse, ainda haveriam pessoas com fome, a estender a mão farpada de fome. E quantas pessoas lhe estendem a mão assim de graça?
Vê meu paradoxo?
Então, como poderia eu dizer porque escrevo?
Achar a resposta não é achar a saída. Então, prefiro dizer que escrevo somente para passar o tempo. Enganar, sabe, o tempo. Enquanto ele passa em linha reta por sobre nós, cortando-nos.
E é esse tempo que essa pessoa perdeu ao perguntar-me porque labuto. Eis que, nessa hora, uma moça engravidada passava pela rua, levando consigo a marmita que conseguira da casa ao lado.
Essa moça dizia a resposta, e ninguém notou.

CLARISSA DAMASCENO MELO


Delírio.

Amanheceu desentendida
Amanhecendo sem querer,
Meio por metade,
Meio por inteira.

O Sol jazia em luz incandescente
E, pela janela fechada, penetrava os vidros loiros
Do seu ser, que já foi.
Seu mistério rodopiava no chão,
Feito peão de menino.

E enquanto os olhos não acompanhavam
A bruta dança do entender-se,
Permaneceu por cima de si,
Dos lenços cálidos,
Esperando alguém para explicar-lhe os últimos fatos.

E os últimos fatos entraram-lhe pela garganta
Que já jazia em amargo delírio.
As tuas pernas,
As antigas pernas,
Não podiam se mexer.
Nem tua língua, que estava cortada.
- E só por isso não gritou.

Ficou com o grito interno,
A terminar de lhe cortar por dentro
Enquanto a língua de faca dizia:
- Sim, você morreu.

CLARISSA DAMASCENO MELO

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Ela janela.

Uma manhã amanhecida.
Uma janela aberta,
Nela, o futuro.
Nela, o passado.
Nela, o tempo que não escorre.
Nela, uma perspectiva.
À sós, uma menina.
Nela, uma manhã amanhecida,
Uma janela no céu,
O futuro, o passado e o tempo que não escorre.
Nenhuma perspectiva.
Nela, a certeza que ser ela
E ser janela, no fim,
Há de ser a mesma coisa.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Nós quer diferente

De porta em porta
Vamo perdendo a voz

O mundo é nosso
Mas nada é da gente

O mundo é nosso
Mas "nós quer" ele diferente

Aonde que vou deixar
O mundo parar?!

Aonde que vou deixar..
Os "hipocrita" falar?

De ponte em ponte
Vou me agarrar na fé

E "ounde" eu não couber
Vou cravar "meus pé"

E vou ficar
Onde eu quiser viver

Se a porra do mundo é nosso
O mundo eu quero ter.

-

Encomenda de JP BAIANO.

CLARISSA DAMASCENO MELO

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Maquiagem.

Há quem diz, pois, coisas horríveis sobre maquiagens. Eu também digo.
Mas me apetece usar um outro tipo, menos comum e mais imediato. Faço uso, pois sei que esse é o sucesso dos grandes circos. E se aquela criança chora por que tem medo de palhaço, a deficiência é da criança, e não da maquiagem. Vê?
Pois pinto o sorriso de vermelho, boca e em redor. Puxo, de uma bochecha à outra, um traço e finalizo preenchendo os cantinhos com pontinhos da guache vermelha. Líquido vivo.
Depois, pinto meus olhos. Uma estrela abaixo de um e, do outro, uma lágrima. Perfeitamente desenhados. Já ouviu falar em equilíbrio? Esse é o meu.
Mas não se engane, pois, maquiagem de palhaço tem hora marcada para sair.
Água e sabão são o suficiente. Molho cada extremidade do rosto enquanto o sabão trabalha em cima de minha pele. O problema em remover a maquiagem, é que, ao olhar o trabalho final no espelho, eu sempre me assusto com o fato do sorriso se limpar, a estrela se limpar, e a lágrima, igualmente de tinta, permanecer em mim.
Como se eu tivesse o tempo todo me dedicado melhor à ela e ela, a mim.

CLARISSA DAMASCENO MELO

domingo, 2 de dezembro de 2012

Contradição.

Sou dos períodos breves,
Mas escrevo por extensão.
É que no jogo da vida,
O que é sincero
É o medo da contradição.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Água.

Choveu,
Choveu,
Choveu,
Choveu,
E, quando percebeu,
Já havia aguado a vida toda.

CLARISSA DAMASCENO MELO

sábado, 1 de dezembro de 2012

Costuras.



Todo caroço é coração
Que tamborila por aí...

Todo verso do reverso
Do encanto, encantador,
Tem o poeta descoberto
Em cantar a dor.

O poema é a semente.
Se mente,
É coisa pouca.

E o poeta é o horizonte,
Que se costura
E multiplica.

CLARISSA DAMASCENO MELO

Doiduras

Se me perguntarem de que sou entendida, responderei com lábios finos: doidura.
Entendo disso, e não de alma, nem de pessoas. Somente os atos controversos que vossas almas cometem é que me fazem algum sentido.
Não vou entender uma declaração de amor, mas vou seguir sorrindo sob um grito no metrô que diz: eu amo você. Não me apetece descobrir como o céu faz chover, mas gosto da chuva que me molha desavisada, escorre em mim e em mim seca. Como secam as lágrimas doidas que aparecem sem querer. Não quero saber como as flores do meu jardim nasceram e estão ali, só quero vê-las ali quando eu sair para olhar a vida passar.
E, aliás, a vida passa. E se eu for escorregar por ela tentando entender todas essas coisas que me entopem, não terei tempo de entender as coisas entupidas por mim. E minha vida é entupir coisas. Entupo o Sol que seca a Terra, entupo a nuvem, que molha a Terra, entupo o homem, que vive na Terra. Só não entupo a Terra porque a sou.
E enquanto os desavisados usam creolina para limpar o mundo, eu fico sem entender coisa alguma. Andam dizendo por aí que as coisas que falo não faz sentido, mas enquanto dizem isso, burlam o tempo das coisas. São tão apressados, mas usam conservantes. E sou eu quem não faz sentido?
Se o gostar daquela flor que nasce no concreto é não pensar, se somente acreditar no amor que nasce por acaso é não pensar, se olhar o Sol e nele enxergar a cura, é não pensar, se correr doida por cima do mar, é não pensar, se amar, malamar e desamar é não pensar, se tomar banho de chuva em dia frio é não pensar, se viver como vivo é não pensar...
Pois então, passarei a vida inteira entendendo só doiduras.

CLARISSA DAMASCENO MELO