Páginas

sábado, 21 de janeiro de 2012

A pedra e o chão.



Peço para que, antes de começar a ler esta estória, beba um pouco de café amargo, ou chá, ou sopa, ou outra coisa capaz de manter seu peito aquecido. Só amor não basta.
E esta estória é curta. Mas tem pé no passado e no futuro. É uma ambiguidade. Possui a profundidade dos oceanos. E eu a cavo fundo para saber mais. É que cavar dói. Então, cave comigo. Venha dividir minha… Divida apenas.
E eu preciso sentir dor para me lembrar de coisas que passaram, mas que ninguém viu. E não me chame de louca, loucura é dom de gente sã. Quanto mais sanidade possuo, mais insana me transformo. E isso é um soco no estômago.
Depois de ler, queime-me. é que existe coisas demais aqui e dores explícitas. Encendei-me e me assopre. É que essa estória é embutida em outra, que se infiltrou em outra, que pertence a uma outra… E são duas as personagens de maior atenção, mas você só pode ver e cheirar uma delas. A outra se esconde em algum lugar, talvez agora ela esteja a fuçar o melhor canto do seu coração.
As duas são como bonecas vivas, que ao invés de morrer, apodrecem. E dessa putrefação escorre sangue coagulado. Coágulos com cheiro de saudade. E tudo começou com um erro, assim como toda a dor começa. Até eu erro. Por isso é que me cuspo e me sugo sem me perceber. Eu e mim são duas meninas que se completam, mas não se encaixam.
O rosto desenhado no mosaico que vos conto agora, é pálido e sem muitos movimentos. é que quase não se tem sangue e as boxexas  não são cor-de-rosa. Mas há covinhas, daquelas que se formam quando se ri. E as covinhas não eram vistas. Até o cabelo era frizzado de dor, e grudava na testa suada constantemente. Meu silêncio grita.
É que a menina precisava de alguém que pudesse pegá-la no colo para afagar teus cabelos. Ou que apenas visse o que vi e há tanto tempo tento contar. Até já contei, mas não me levaram tão a sério. 
Como, assim como ela, eu não possuía pele viva, nossas carnes se fundiram sem sangrar. Vou explicar por que: é que quando o coração para de cumprir sua sina - um tuque-tuque-tuque -, o sangue escorre do rosto, vai para… eu não sei bem onde.
E hão de me perguntar se essa tal menina tinha fé. Isso é coisa que ela tinha, era até bonito. Pois em seu lugar, mal sei eu o que faria. Mas ela tinha fé. Costumava conversar com seu Deus durante a noite, quando mais ninguém poderia ouvi-la ou gritar com ela. Por que gritavam com ela o dia todo.
E, quando permitiam, ela corria para a calçada, pegava algumas pedrinhas e riscava o chão. Ela gostava de desenhar na calçada e passava horas fazendo isso. Até que a chamavam para dentro. Ela já respirava pensando em voltar pra calçada. 
E enquanto desenhava, faíscas saíam do pequeno pedaço do passeio. E essas faíscas, digo com verdade a transbordar, não são projeções do contato físico existente entre chão e rocha. Essas faíscas nada mais são que suas próprias projeções curvadas nos olhos. E se faiscava, a dor era menor. A faísca pertencia a ela, como ela à dor.
E não se pode dizer coisa alguma que seja a mais ou a menos. Se disse aqui tudo que prometi dizer. E se disse de mais ou de menos, foi deslize. Me perdoe outra vez. E cumpra o que me prometeu. Queime. 
CLARISSA DAMASCENO MELO
2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário