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sábado, 21 de janeiro de 2012

Gaiola



Certa vez levei pra casa um pássaro, daqueles de calda amarela. Gostei dele por que na loja ele cantava, e seu canto era tão doce e tão triste, que tive vontade de embalá-lo. Ele foi barato… Assim como a maioria das pessoas.
E quando chegamos em casa - eu e meu pássaro -, coloquei um pouco de alpiste em sua gaiola e o observei comer. E ele tinha fome humana! E fiquei esperando que ele cantasse. Aquela melodia coagulada que ouvi… Aquele som abafado que saiu de sua garganta minutos antes.
Ou quem sabe, será que ele podia me olhar? Me amar? Ele poderia… mas não me olhava de jeito nenhum. Me evitava. Cantar, cantava. E música eu ouvia todos os dias, mas amor, amor, amor, ele não sentia. E eu me odiei.
Os dias passavam e ele ficava mais triste, e suas músicas mais tristes ainda. Mas, se eu podia sentir tanta tristeza, que mal faria uma tristezazinha a um bixinho tão pequenininho? Pensando assim, fui dormir.
E quando acordei a sala fedia a podre. E eu não ouvi meu passarinho cantar. Cheguei perto da gaiola e o fitei lá, morto. Com dó no coração, o tirei de lá e pela primeira vez o embalei no colo. O corpo rijo e gelado me assustaram, mas me fizeram sentir pena. Uma dó miúda que me pulsou aguda. 
E então, ali, olhando em seus olhos vidrados, descobri o valor de um pássaro enjaulado: Nenhum. Que adianta ter asas se não se voa? Pois o que é um pássaro senão o voo? Cantar, se canta, mas não por amor. Era só uma atividade egoísta para passar o tempo. E, meu Deus, naquele momento me senti podre por apreciar o canto triste de outrem.
E é como nós. Como todos nós.
CLARISSA DAMASCENO MELO
20/01/2012

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