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domingo, 22 de janeiro de 2012

A história de dois lobos


Confundem-se no palco o lobo e o cordeiro saltitante. E os olhos de ambos ficam posicionados sempre a frente, sendo lobo ou cordeiro. É engraçado por que, de acordo com nossos preconceitos, o lobo deveria sentir coragem e o cordeiro ser a inocência inócua. Pois levanto meu dedo indicador e vos digo em sílabas tônicas que o lobo sentia medo. Eu não sei porque, mas sei que por dentro ele tremia de medo. Os olhos tremelicavam demais e, e o cordeiro ria-se inteiro. Porque rir na frente do perigo? Rir e provocar… medo? E o cordeiro fitava o  lobo, os olhos graúdos na direção do que podemos chamar de mal. Pois torna-se mal aquilo que… O que é o lobo?
Abaixo dos olhos do lobo pude perceber uma pequena chuva que se ia devagar, quase que imperceptível. Quase. Eu senti a chuva, a vi, a sou. E o lobo se manteve imóvel esses anos todos. Por hora olha a platéia que pede um espetáculo, mas espetáculos é tudo que o lobo não pode dar. E se o lobo não pode dar espetáculos, o cordeiro permanece sem fãs, instigando o lobo, amargurando-o. E o cordeiro segue-se de lã branca, polida, limpa. é olhado com piedade. “Pobre cordeiro que sobrevive ao lobo”. 
O lobo ousou dar dois passos à frente. A platéia gritava ferozmente. Os ânimos à flor da pele. O que o lobo queria fazer? E então mais dois passos e um quinto. O cordeiro, de tanto provocar, teria ali a sua resposta? De tanto se rir por dentro seria aquele momento que ele choraria? E então, diante de duas patas, o lobo teve a primeira vontade de engolir seu inimigo. Engoli-lo acabaria com seus problemas, a falsidade do cordeiro seria digerida por suas enzimas. E então o lobo abriu a boca úmida de dor. A saliva - ponto de erupção - encrostada em cada um de seus dentes, pôde ser vista pela platéia erguida de glória.
E então, ao ver o cordeiro miúdo no fundo do palco, a cabeça baixa entre as mãos, o corpo tremelicando, o lobo sentiu, no lado esquerdo do peito, uma profunda compaixão. Desse tipo que titubeia solene. O cordeiro, esperando pela morte certa, no entanto, nada sentia, somente uma profunda gratidão. Gratidão essa que foi embora ao ver seu inimigo recuar. E o sorriso apossou-se nos lábios de novo ao ver seu inimigo tomado de medo. Disposto, com isso, a continuar a arruiná-lo pelo resto de seus dias. Mesmo depois da morte.
CLARISSA DAMASCENO MELO

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