Atrás
dos morros, nas favelas, nos bairros mais pobres e desumanos; estão eles que
representam nada mais que índices cabulosos às autoridades. Eles, que
normalmente são acusados de roubo,
tráfico, prostituição; eles, detentores de armas, de objetos furtados nos
bairros ricos; eles, cheiradores de pó.Os diabos vestidos de prada, que nos
enfiam mãos nos bolsos nossos, parecem-nos menos perigosos que aqueles vindos
das portas dos fundos do Brasil. Parece
que, com uma mão, a justiça acaricia os bandidos vestidos de terno e, com a
outra, envolta à navalhas, dilaceram aqueles que mal sabem por que ou para que
estão no mundo.
Se
um assassino louco sai de casa armado e aponta a cabeça de um cidadão de bem, o
que importa, para a justiça, e para quem o vai condenar, é saber de onde ele
veio. Se saiu da casa de seu pai rico, entrou em um carro importado e passou
por cima de um... Quem se importa? Foi sem querer, não foi? Em pouco tempo,
quando todos esquecerem - e todos se esquecem rápido demais -, ele já poderá
dirigir de novo e estará fora da cadeia. Mas, se uma mãe faminta invade uma
farmácia para roubar, ela será mais uma a encharcar de lágrimas uma cela que já
transborda gente que saiu das portas dos fundos.
O
moleque fedorento, que anda nas ruas a mendigar doce, incomoda. O mendigo que
invade, quase nu, aquele restaurante importante, incomoda. O pedidor de moeda,
incomoda. As mulheres que vendem seus corpos, incomodam. Eles são quem vai
pegar nosso dinheiro para comprar drogas. Eles são quem representam a falta de
segurança das grandes cidades. Eles são eles, e não são nada. Já os
latifundiários, colecionadores de terras produtivas que não produzem,
acumuladores de sacos de dinheiro, que não oferecem empregos, que mutilam
índios, que poluem... Quem são eles? Eles são o progresso, o futuro, a solução,
a mão que nos acaricia e mima. Eles não incomodam ninguém e pecam menos que
aqueles que já nasceram para pecar.
Se,
de um lado, faltam profissionais em bons empregos, do outro, existem centenas
dos chamados trombadinhas que nem sequer souberam ou saberão o real significado
da palavra 'oportunidade'. A oportunidade de não precisar roubar, de deitar na
cama sem que o policial lhe bata à porta para levar-lhe embora, oportunidade de
não ficar pelas calçadas, a passos largos, invadindo pessoas. Oportunidade de
ser ouvido pela sociedade que o julga. Oportunidade de ter defesa diante da
Justiça cega, oportunidade de se fazer e se ser, sem se preocupar com novas ou
antigas leis e, principalmente, a oportunidade de estudar.
O
Brasil, para começar a ser Brasil, precisa descriminalizar a pobreza. Políticas
públicas precisam ser refeitas e repensadas. Repensados, também, precisam ser
os pensamentos daqueles que, mesmo diante dos direitos humanos, defendem a pena
de morte, defendem os policiais que utilizam-se de seu poder para humilhar e
maltratar. Repensados, precisam ser, em verdade, os pensamentos daqueles que se
calam diante das tragédias que presenciam e ajudam a edificar.
CLARISSA DAMASCENO MELO
CLARISSA DAMASCENO MELO
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