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sábado, 6 de julho de 2013

Sobre como esquecer um nome.

Não me pertenço. Nem a mim, nem a meu nome. Nem à noite, nem ao dia. Nem à esquina de minha casa, nem à rua em que morarei. Não me pertenço. Nem a mim, nem a meu nome. Ora, se eu não fosse eu, tranquilamente, seria outra. Mas isso me anula? Certa de que sim, certa de que o próprio soletrar de meu nome já é capaz de me anular, escrevo. 
Não me limitarei a definir a epifania que me sobreveio depois de ontem. Depois de ontem é o hoje que renasce assim que, antes de amanhecer, já existe uma manhã. É estranho como amanheci cheia de certeza, cheia de fatos concretos, cheia de exclamações e explicação para tudo. Prefiro a curva das interrogações. Imagine o movimentar de olhos que seguem, atentos, o concretizar das curvas. Eu sou tais olhos. 
Amanheci. E isso já deveria me bastar. Bastaria. Resolveria. Desafiaria. (Exclamação!!!) Amanheci tendo certeza de que minha pele combina com o tom enigmático e místico do azul. Certeza tive, também, que meus cabelos ficariam melhores se presos num rabo de cavalo alto, para que as pontas dele pudessem balançar acima dos meus ombros. Soletrei meu nome. Ele já havia sido eu antes mesmo que eu pudesse existir. Antes de me jogarem para fora. Tendo a certeza disso também, parti: toda azul, meu cabelo balançava acima de meus ombros. 
Já tentou atravessar a rua olhando para cima? A sensação perigosa de não saber tudo aquilo que lhe vem dos dois lados. Nem da esquerda, nem da direita. De lugar algum. Assim é viver. Atravessei a rua para chegar à clínica. Exames de rotina. Não olhei para cima: antes do risco existe o medo. Assim também é a vida. 
Encostei no balcão. Um 'bom dia' gritado, quase que parido, e um sorriso azul. A moça do balcão sorriu de volta e perguntou meu nome. Ali, ela quebrava minhas pernas. Desfazia as curvas satisfatórias do conforto que uma interrogação me impõe. Conforto pronto, empacotado, comerciável. Tão esgotável que, ali, troquei  todas as certezas que me cercavam por apenas uma: É impossível saber meu nome.

CLARISSA DAMASCENO MELO


2 comentários:

  1. Olha, depois desse texto, te recomendo ouvir a música "Eu não sei na verdade quem eu sou" do Teatro Mágico. Talvez você já conheça... Tô comentando tanto por aqui né... É que realmente curti teu modo de escrever haha

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  2. Fico encantada, querida. <3

    Quanto à música, sim, eu adoro O Teatro Mágico!

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