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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

CAMPANHA PELA LIBERDADE


Será preciso que se comece a saber: embora seja eu a escrever, o mesmo eu não sou. Se possível, perceba: dentro de cada um existem dois; e como dois, plural. E por essa indiscutível fatalidade, indago: não lhe assusta serdes mais de um? O confuso e o sereno, o vivo e o cadáver, o feio e o belo... todos estes sendo você? 
Não lhe assusta a fatalidade doentia que lhe põe a ser mal mesmo quando és bom? Quase me despedaço ao perceber que posso livrar apenas uma criança do sentimento inesgotável de fome e miséria, mas não todas. Essa omissão não lhe fere o caráter? Quem pode ser você quando um tiro leva a vida de alguém? Nas horas de horror, eu sou o revólver. 
Pois quem seria eu? As mãos que apertam o gatilho? Ou as que repousam dedos sobre o rosto já escasso de sangue? Minhas próprias mãos se omitem da escolha assim que percebem que viver é escolher. Elas escolhem o plural. Aquele estado de gosto que une o sim, o não e o porvir. 
Vais entender, espero, que não é você a desferir um golpe mortal na cabeça de alguém. Mas tenho que dizer, ainda que áspera, que quando a casa de alguém é invadida no Morro por um policial corrupto, você está em sua casa sendo... você. Embora você esteja em sua casa, quando um policial aponta a arma para a cabeça de alguém, também é tua a mão que atira. 
A mão também é tua por que você se ausenta. Enquanto o mundo de muitos se transforma em sangue, poeira e escuridão; suas mãos preparam o seu café. E se eu digo que tuas mãos são as mesmas a atirar, eu digo, em conjunto, com o meu segundo-eu, que a cabeça a explodir também é tua. 
E se todo mundo, além de um, são dois, eu não consigo entender a calmaria nos grandes centros enquanto o sangue do povo escorre cada ladeira dos Morros. Não entendo por que continuar assistindo à novelas das duas, seis, oito e o escambal de horas, se elas não dizem aquilo que precisa ser gritado. Não entendo por que assistir ao Jornal Nacional se ele não vai apontar o dedo para os policiais assassinos. Eles apontam o dedo para quem não tem por onde gritar. 
Então eu grito: Eu quero uma polícia que me defenda! Que defenda o povo! E não que o extermine! Eu quero uma política sincera que converse com as massas! Eu quero poder ir às ruas sem precisar sofrer com a imagem de pessoas deitadas em papelão! EU QUERO A LIBERDADE DE MEU POVO! É pedir muito? 
Quando eu entro no ônibus para ir para a UESC, eu vejo, pela janela, dezenas de pessoas deitadas nas ruas. Eu penso: Deus, por que eu estou indo a uma universidade e estas pessoas não? Eu penso, com todo o coração, o que me faz melhor. Não sou melhor. Eu tive sorte
Quando você se revolta com tudo aquilo que lhe faz menor, que lhe oprime; o mesmo Sistema excludente e opressor lhe chama de vândalo. Os jornalões lhe preparam uma sopa de mentiras e você a bebe calado. Onde mora a liberdade em um Sistema que lhe engana, estupra e mata sem que você perceba? 
Bruno Torres, Andresa e Nicolas foram presos por protestarem contra isso tudo. E por terem ido contra todos os interesses dos grandes barões - dos grandes e miseráveis barões, continuam presos nas amarras da injustiça. Até onde seremos censurados por nadar contra a maré? Eu tenho medo do silêncio daqueles que sabem de tudo isso e se mantêm calados. Eu tenho medo que tudo isso continue massacrando aqueles que possuem ideias. E, sobretudo, eu tenho medo que a injustiça continue a criar suas filhas para que nos prendam quando estivermos tentando mudar o mundo para todos nós.

CLARISSA DAMASCENO MELO

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